Carybé – retratando o Brasil

Carybé não era nem argentino nem italiano. Era um homem de muitas cores, absorvendo todas elas, assim como o faz o preto na escala cromática. Pintava negros, índios e brancos.Quando partiu para outra viagem, disseram que foi fazer arte no céu. É provável que um dia desses, ao acordarmos e olharmos para as nuvens, encontremos nelas grandes baianas com seus tabuleiros ou negros jogando capoeira. Pode ser também que todo o céu se transforme numa imensa aquarela ou que o arco-íris mude de cor. Para quem veio de longe mostrar ao povo da Bahia a beleza desta terra, nada é impossível. Nem mesmo ser Obá de Xangô. E em se tratando de tão alto posto na hierarquia dos orixás, nada mais adequado que despedir-se saudando seu orixá-regente: KAWÓ-KABIYÈSILÉ!!!

Biografia

Hector Júlio Parude Bernabó – Carybé – nasceu dia 9 de fevereiro de 1911, em Lanús, Provincia de Buenos Aires. Aos 6 meses muda-se para Itália com seus pais Constantina e Eneas e seus quatro irmãos, onde permanece até os oito anos. Em 1919, veio de navio para o Rio de Janeiro e instalou-se no bairro de Bomsucesso. Em 1927, inicia seus estudos na Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro, a qual abandonou no segundo ano e voltou para Argentina, em 1929, para trabalhar no jornal “Notícias Gráficas”, em Buenos Aires. Entre 1935 e 1936, trabalhou com Júlio Cortazar no jornal “El Diário”. Em 1937 mudou-se para o jornal “Prégon” que o mandou para Salvador com um projeto ambicioso: fazer uma reportagem com Lampião. Só que ele teve que se contentar em desenhar as cabeças do “rei do cangaço” e seus capangas, já então decapitadas. O jornal, porém, fechou durante sua estada em Salvador e durante um ano Carybé viajou de ita (navio) por várias cidades do litoral norte chegando até Belém; depois voltou para o Rio de Janeiro e, de lá, para Buenos Aires.

Sua família morava no Rio e ele já tinha no currículo trabalhos em publicidade para jornais de lá, de São Paulo e de Buenos Aires, além de ter pintado muitos cartazes de rua. Já se considerava um “branco suspeito”, como dizia. Ouvira dizer que sua família (mãe gaúcha, pai italiano) havia uma tia preta que até fumava cachimbo. Sua morenização parecia uma fatalidade.

Em 1939, realizou sua primeira exposição coletiva com o artista Clemente Moreau, no Museu Municipal de Belas Artes de Buenos Aires e ilustrou o livro “Macumba, Relatos de la Tierra Verde”, de Bernardo Kordan. Em 1940, faz ilustrações para o livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade, e o traduz para o espanhol juntamente com Raul Brie. Em 1941, desenha o “Almanaque Esso”, cujo pagamento lhe permite fazer uma longa viagem para Montevidéu, Corumbá, Cuiabá, visitando os garimpos de Pochoréu, Lageado e Cassununga, Uberaba, Pirapora, Juazeiro da Bahia, até Salvador onde passa alguns meses.
De lá, visitou o Norte o Nordeste passando por Juazeiro do Norte, Fortaleza, Belém, Manaus e depois até a Bolívia para então retornar a Buenos Aires.

Em 1943, realizou sua primeira exposição individual na Galeria Nordiska em Buenos Aires. Em 1950, a convite do Secretário da Educação, veio para a Bahia para trabalhar e passou a residir em Salvador. Durante sua carreira, Carybé participou de mais duzentas exposições individuais e coletivas em museus e galerias de arte da Europa, Estados Unidos, Canadá, África, Brasil, Japão, China e diversos países da América do Sul e Central, ilustrou dezenas de livros, e realizou murais para instituições como, entre outras, o Memorial da América Latina, American Airlines no Aeroporto Kennedy de Nova York e Banco da Bahia.

Com uma carta do escritor Rubem Braga ao então secretário de Educação da Bahia, Anísio Teixeira, em 1950, Carybé arrumou o emprego que pediu a Deus: desenhar cenas baianas. “Foi a sopa no mel. Nunca mais fui embora. A Bahia tem tudo que um pintor procura: luz, água e mar aberto. A gente vê o corpo humano funcionando”.

Quando morreu do coração, no dia 1 de Outubro de 1997, durante uma sessão num terreiro de candomblé, em Salvador, ele já era tão baiano quanto um outro estrangeiro, o etnólogo francês Pierre Verger, havia sido em vida. O artista plástico sofria de uma insuficiência respiratória crônica que provocou a parada cardíaca, a qual o matou.

Obra

Retratista fiel das tradições, crenças e costumes do povo baiano, Carybé projetou em sua arte os fundamentos da nação brasileira, na qual se misturam o negro, o índio e o branco. Desprezava a mitificação de seu trabalho, dizendo que “rabiscar papel e pintar telas não são atos de criação”. Resumidamente, contentava-se em afirmar: “Eu copio a vida”.

Desenhista brilhante, Carybé pertence à mais depurada crônica visual da Bahia, que tanto pode ser vista nos desenhos que criou para os livros de Jorge Amado quanto na vasta galeria de tipos de deuses do candomblé. Amante da vida, foi tocador de pandeiro, bom dançarino e contador de histórias. Seu maior orgulho foi ser Obá de Xangô.

Certamente, por isso, que as cenas da religião afro ocupam boa parte da produção deixada por ele. Dono de uma vasta obra, na qual se estimam cerca de 5.000 trabalhos, entre pinturas, desenhos, esculturas e esboços, com poucos golpes de pincel, ele era capaz de resumir a forma de baianas prostradas de joelhos com magníficos círculos coloridos.

Suas obras fazem parte do acervo das mais respeitáveis instituições, como o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque; Fundação Gulbenkian, de Lisboa; Museus de Arte Moderna da Bahia e São Paulo e Fundação Raymundo de Castro Maya, no Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, os trabalhos de Carybé não pararam de se valorizar e ele passou a viver só de arte. “Um quadro meu vale 10.000 dólares”, orgulhava-se ele, no começo de 1997, embora alguns possam chegar a até 30.000. Para ele, não tinha muita importância. “A economia é a peste negra. Nada sei sobre ela”, dizia.

Das muitas atividades que desempenhou no Brasil, algumas gostava de citar como curriculares, a exemplo de pandeirista do Bando da Lua, que acompanhava Carmen Miranda, e ilustrador das obras de Jorge Amado, do qual era fraternal amigo desde que passou a morar na Bahia. Foi parceiro de Paulo Vanzolini, autor de capas de livros de Gabriel García Marquéz, ilustrador de inúmeras obras e autor do mural do Memorial da América Latina, em São Paulo. No decorrer da vida, o artista mingau foi muito pouco premiado – primeiro lugar em desenho numa bienal de São Paulo e por duas vezes sala especial em outras bienais. Gostava de pintar, mas não de ficar expondo, “emoldurar quadros, fazer catálogos, dar entrevistas, essas coisas aborrecidas”.

Para ele, a única coisa insuportável na vida era ficar parado, esperando um estalo de criatividade. “Inspiração é besteira”, dizia.

Candomblé

Adotando a natureza típica da terra, o pintor integrou-se suavemente ao candomblé, a religião dos negros iorubás, fazendo-se filho de Oxóssi e presidente do Conselho dos Obás no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, da Mãe Stella.

Acima de tudo, no entanto, tinha o título de Obá de Xangô, o posto mais alto dado pelo candomblé, seu maior orgulho. “Sou amoroso e devoto da religiosidade afro-brasileira, de seus deuses modestos e humanos, que hoje se defrontam com estes deuses contemporâneos, terríveis e vorazes, que são a tecnologia e a ciência”, dizia.

Segundo o amigo, o escritor Jorge Amado, Carybé foi como um observador de dentro, envolvido com a religião, que ele se dispôs a retratar. “Outros podem reunir dados frios e secos, violentar o segredo com as máquinas fotográficas e, com os gravadores e fazer em torno dele maior ou menor sensasionalismo, a serviço dos racismos diversos, mas apenas Carybé e ninguém mais poderia preservar os valores da religião da Bahia”. Nancy, sua esposa durante 50 anos, costumava contar que o marido era um homem de tanta fé que jamais levava papel ou lápis para as cerimônias.

Achava falta de respeito. Guardava tudo de cabeça e desenvolveu uma memória visual fora do comum.

Temas de Candomblé

Jornal do Commercio – Recife, 03 de outubro de 1997

Temas de Candomblé
por CARYBÉ

(Apresentação do livro homônimo, com 27 desenhos de Carybé. Editado pela Coleção Recôncavo, da Livaria Turista, de Salvador, Bahia, em 1951, com tiragem de 1500 exemplares autografados pelo autor.)

“Depois do meio-dia começa. A sombra escala trabalhosamente muralhas de fortes e conventos, barrancos, ladeiras e buracos, ganha terreno às pressas e antes que o vintém do sol acabe de se deitar detrás de Itaparica ela já moureja nos fundos, verdes e doces vales da Bahia.

Os fifós vão abrindo quadros familiares na escurama. Jantares servidos, retratos de casamento, máquinas de coser e gente, muita gente, fazendo coisas, representando a vida nos pequenos teatros das janelas e portas iluminadas. Já a sombra vitoriosa comeu o verde das bananeiras, as ribanceiras vermelhas, os pés de jaca, os coqueiros, a gente. Só ternos brancos e vestidos mal-assombrados sobem e descem as ladeiras sem gente dentro, ou cachorros silenciosos como que voando na noite e, detrás do samba do alto falante do armazém, o baticúm dos atabaques rola-rum, rumpí, lé, rum-rumpilé, rum, rumpí, lé.

Subiu um foguete de três estalos e muitas cores. Oxóssi já está farejando caça debaixo dos cajueiros e das cajás. Não são árvores da terra dele não mas já acostumou. Passa o bonde saudando também com faíscas verdes e estrondo de ferralha. Rum, rumpí, lé, estoura outro foguete. Outro orixá desceu. “Atotô, meu pai Omolú, me livre deste reumatismo que amarra meu pé. Sou ganhador, meu pai!” E Omolú, dono das pestes e da bexiga, murmura, detrás das palhas que lhe cobrem o rosto, o remédio. Seiva de folhas e raízes ou água de sereno e sucos vegetais e o pé de tio Artur volta a suportar balaios imensos, camas, malas, tudo…

A cidade gorda, farta de cacau e fumo está debruçada sobre o mar, fingindo não saber de nada, tomando a fresca, vendo a lua se escamando na maré de enchente. E se fosse outra noite, se fosse uma noite de trovoada, por uma boca tiraria ladainhas a Santa Bárbara e pela outra cantaria para Iansã, bonita como o que, enfrentando os coriscos com seu alfange na mão. Dançando ao som dos pipocos; que não tem medo de relâmpago, nem de egúns do outro mundo. Ela dança levando na cabeça o fogo que roubou a Xangô enquanto a chuva derrete o barro vermelho que vira sangue vale abaixo até ir tingir o começo do mar.

Rum, rumpí, lé.

Exú fazendo coisa. Entrando nos sobradões do Pelourinho e saindo no “baton” de “rouge” da mocinha da Barra, rindo de suas estrepolias, gozando nós todos, apressando os fins-de-mês. Mas não é mau, não: um galo, pinga e um pouco de farofa e fica sensibilizado, desfaz qualquer perversidade e chega a ficar com pena do que fez.

Rum, rumpí, lé e agogô de som agudo, e muito perfume, e espelhos, e pentes bonitos, e sedas, jóias e o que há de bom para Oxúm que mora no Dique.

Qualquer morador do Tororó ou da Usina já a viu sobre as águas verdes. As lavadeiras lhe cantam de cócoras, esfregando a sujeira dos outros, refletidas de cabeça para baixo dentro dágua que nem figuras de baralho. Muitas delas são suas filhas, e não há quem duvide vendo-as subir majestosas debaixo de trouxas enormes, o vestido molhado grudando no corpo, as ancas de cabaça moendo safras inteiras de samba. Ela escolhe as mais bonitas, as mais dengosas para descer aos terreiros.

Orayeyêo! Uma roxa e outra cor de formiga, duas oxúns passam, nada quer dizer o vestido de chita desbotada nem a bacia na cabeça. Não estão vendo? São deusas. Deusas da água. Da água verde do dique do Tororó.

Vitorina, Raimunda, Chica, fritam acarajé, vendem bolos, fato, cocada, mingau e são deusas também. Rum, rumpí, lé. E os Orixás descem, de dia ou de noite, tanto faz. Vem Ogúm o guerreiro; Oxalá, velho, imaculado, cajado acabando em pássaro, na mão trêmula; Iemanjá tangendo espumas, cheirando a mar; Obaluaê transformando a febre e as convulsões em danças terríveis, belas no mistério da palha roxa que lhe cobre a figura.

Há muita confusão aqui, senhor! Os sinos badalam nas torres cor de osso, São Lázaro come pipocas, há anjos de madeira com asas de arara e oxês escuros empapados de azeite. Incenso, mirra, ouro e munguzá; ouro nas farofas e nas enlouquecidas naves barrocas, mirra e incenso não faltam, estão no ar transparente, nas brisas que vêm de tão longe, no aromado passar de uma creoula.

E há paz nos largos pátios de azulejo, paz na sombra vertical dos arvoredos encantados, na água das quartinhas, na luz imensa da Bahia, luz a prumo que soca de sombra fresca os velhos portões de pedra, luz do meio-dia, a hora do Cão.”

Morre Carybé

Jornal do Commercio – Recife, 03 de outubro de 1997

Bahia não tem mais a leveza de Carybé
Agência Estado

SALVADOR – O artísta plástico argentino Hector Bernabó, o Carybé, de 86 anos, radicado na Bahia desde a década de 30, foi sepultado às 11h30 de ontem no cemitério Jardim da Saudade. Cerca de 150 pessoas acompanharam a cerimônia marcada pela emoção. O escritor Jorge Amado, amigo íntimo de Carybé, passou meia hora no velório mas não ficou para o sepultamento por recomendação médica. Ele sentiu-se mal na noite de qarta-feira, quando participava de uma reunião no terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, situado no bairro de São Gonçalo do Retiro na periferia de Salvador. Foi levado para o Hospital Roberto Santos onde morreu de ataque do coração.

Carybé, que na Bahia significa um mingau dado a mulher parida, era amigo de farra de alguns “baianos fundamentais” como o escritor Jorge Amado, o etnólogo Pierre Verger e o pintor Calazans Neto. Embora fosse considerado um dos artistas mais talentosos de sua geração, nunca se preocupou em ganhar dinheiro com seus quadros, através dos quais retratava a Bahia, seus personagens e os orixás.

Ele ilustrou livros de Guimarãs Rosa (entre os quais Grande Sertão: Veredas) Jorge Amado e seu último grande trabalho foi o conjunto de gravuras que serviu de base para as novas vinhetas da TVE da Bahia, lançadas no ano passado. Foi a primeira vez que ele trabalhou com a televisão e confessou-se maravilhado com o resultado. “Misturaram meus desenhos colocaram na maquína e eles saíram andando, dançando, pulando”, disse na época dando sua interpretação particular para a animação obtida pelo computador.

Como a América vai transformar a Capoeira

Contra-Mestre Pererê, para o site PlanetCapoeira.com em 30 de janeiro de 2001
Tradução: Teimosia
Eu tenho pensado bastante desde que escrevi meu último artigo para o Planet Capoeira, e descobri a necessidade de explorar aIgumas das questões que eu mesmo levantei da última vez. Tenho estado imerso na comunidade da capoeira por alguns anos, e tive muitas discussões tanto com brasileiros quanto com americanos sobre como a capoeira tem sido oferecida para e aceita pelos americanos. Uma das considerações primárias é que a razão original pela qual existe tanta capoeira fora do Brasil é porquê ela oferece para o instrutor um retorno financeiro que não seria possível em solo brasileiro. Como um capoeirista americano me disse uma vez: “Para os brasileiros, capoeira é igual a dolar e aponta o norte do mapa”. 
Alguns podem se iludir pensando que a capoeira está sendo ensinada por motivos mais altruísticos ou por razões estéticas, e ainda que esses aspectos tenham certo papel, você estaria errado em pensar que essas são as razões pelas quais a capoeira tem sido ensinada na América do Norte por brasileiros. Eu tive o infortúnio de ser o assistente de um instrutor brasileiro que lutou por anos para se estabelecer com a capoeira aqui nos EUA (ele atualmente retornou ao Brasil). Como seu assistente, testemunhei conflitos sérios que surgiram quando outros mestres ou instrutores começaram a se estabelecer no “seu” território e esquemas para conseguir centenas de alunos e construir uma academia enorme. A situação persistiu e persistiu, e eu soube diversas vezes de questões e problemas similares, da boca de outros mestres na região em que vivo. Também recebi muita informação de vários estudantes de outros grupos com os quais estive em contato durante os anos. 
A única vez que eu ouvi essas pessoas (mestres e instrutores brasileiros) falarem sobre arte, tradição e respeito e responsabilidade era quando elas estavam ensinando a seus alunos como se comportarem. Muito mais freqüentes eram as discussões políticas mesquinhas e planos para conseguir mais dinheiro. Eu estou convicto de que muitos mestres e instrutores brasileiros na América do Norte tiveram e têm uma influência positiva e maravilhosa nas vidas de muitas pessoas aqui. Entretanto, quero reafirmar que para acreditar que esta é a razão primária pela qual estes professores estão aqui dividindo sua cultura e arte, em primeiro lugar uma pessoa tem que ser muito ingênua.
Eu acredito piamente que a capoeira de ambos os estilos, tradicional e contemporânea (ou derivações de ambos) está aqui para ficar. Por quê ? Porquê os americanos amam a capoeira. Eles gostam de jogar, e gostam de ver. Você já pode vê-la em filmes, em revistas sobre saúde, em videoclipes, em videogames, em clubes de dança, em performances de rua, em torneios de artes marciais. Você pode encontrar garotos nas praças do centro de Seattle jogando capoeira tanto quanto dançando break, e eu sei que eles nunca tiveram uma aula com um instrutor de capoeira. Eles “pegaram” no ar, da TV, de assistir um amigo ou seus irmãos mais velhos que visitaram São Francisco e que estudaram capoeira cinco anos atrás e ainda sabem alguns movimentos. A maioria desses tipos de capoeira é claramente pouco sofisticada, da perspectiva de um capoeirista “legítimo”. É um intercâmbio de chutes de artes marciais e esquivas derivadas de jogos infantis como “queimada” que, apesar de rudimentar, nunca havia sido feito antes. 
Freqüentemente essas atividades são acompanhadas de música hip-hop num aparelho estéreo. O que está faltando é contexto, e contexto é feito do entusiasmo dos participantes. Eles não sentem a cultura afro-brasileira e a história que os mestres da capoeira prezam e mantêm nem sentem falta da conexão com ela. Um de meus estudantes mais antigos recentemente visitou uma zona rural no México e presenciou um pouco de capoeira. Ele disse que foi uma das coisas mais bizarras que já viu, mas era considerada “capoeira verdadeira” pelos mexicanos que estavam praticando, mesmo que nenhum deles tivesse conhecimento do que era um berimbau e muitas outras coisas consideradas importantes e tradicionais na capoeira. Acredito que isso é um sinal muito claro: se os mestres brasileiros falham em passar tudo de sua arte para seus estudantes estrangeiros e não formam pessoas de nível elevado na capoeira (em uma tentativa de manter o controle sobre a) isso não vai deter esses gringos de forma alguma. Esses não-brasileiros vão simplesmente criar por si mesmos o que não entendem ou não sabem. Vão tomar a capoeira para si, e já é muito tarde para controlar a situação. 
A única coisa que os brasileiros podem fazer agora é colocar a si mesmos em uma posição de “resguardo”, um lugar de apoio e esperançosamente, de influência para o cenário da comunidade norte-americana de capoeira. Se os brasileiros que estão na vanguarda da comunidade norte-americana de capoeira falharem em fazer isso, continuando a trazer jovens instrutores brasileiros (e a adicioná-los ao sistema de associações de capoeira norte-americanas controladas por brasileiros) ao invés de criarem uma nova geração de instrutores a partir dos seus próprios alunos gringos, eles vão efetivamente perder o controle de sua amada arte aqui nos EUA e nos demais lugares. Apesar de que estou certo de que eles vão continuar a prosperar, negócios como de costume. 
Se esses mestres e instrutores brasileiros ficam com raiva da sucessão de eventos que está logo ali no horizonte, eles não têm ninguém a não ser a si mesmos para culpar. Eles deviam ter questionado seus próprios motivos para virem aqui como instrutores profissionais de capoeira, em primeiro lugar. Se você oferece algo a outros e espera manter o controle sobre como eles usam, bem, isso é pura tolice e possivelmente má-fé. A reação que tenho visto freqüentemente de diversos mestres brasileiros (o que de maneira alguma se aplica a todos) quando confrontados com a idéia de não-brasileiros tendo seus próprios grupos e escolas é explodir em explicações sobre falhas individuais e/ou falar em chutar os rabos deles (muito profissional…). Parece haver muito poucos mestres brasileiros com visão e discernimento para no mínimo modificar suas agendas e tratar dessa questão, como é claramente necessário.
Essa ocorrência de quebra do monopólio aconteceu com outras artes aqui na América do Norte. Um bom exemplo é o que aconteceu com o Aikidô. Os mestres japoneses nos EUA agressivamente controlaram o estabelecimento na América do Norte por anos, até que a estrutura do poder “virou de cabeça para baixo” (isso parece ser uma metáfora muito comum nessa arte, o que é compartilhado com a capoeira). Um grupo de aikidokas (praticantes de aikidô) americanos com anos de experiência sentiu que estava sendo negado a eles o acesso às graduações mais altas e então, como é freqüentemente o caso de rebeldes e revolucionários, eles coletivamente se desligaram e começaram a sua própria organização de Aikidô. Em poucos anos, sua organização se tornou tão grande que efetivamente tirou dos japoneses o monopólio do aikidô nos EUA, e através de seus próprios esforços, criou um elo direto com a principal organização de aikidô no Japão. 
As várias organizações japonesas e americanas agora coexistem, e a situação se amenizou bastante. Há histórias similares sobre praticamente todas as artes marciais que entraram nos EUA. Uma vez que você compartilha uma forma de arte com outra cultura em larga escala, é difícil e possivelmente errado esperar manter controle completo sobre como a arte é absorvida pela nova cultura. Novas formas e idéias vão surgir, quer você queira ou não. Eu percebo que isso é considerado blasfêmia, e que muitos dos estudantes mais antigos que são completamente dedicados a seus mestres vão chiar com as minhas palavras, achando que minhas idéias são repreensíveis. Entretanto, esse fato não está em suas mãos também, e eles têm ainda menos a dizer sobre isso do que seus mestres. São todos aqueles estudantes que se sentiram barrados, explorados, abandonados e então pularam fora, ou aqueles que não tiveram contato com instrutores qualificados, é que vão causar a eventual revolução em todos os estilos de capoeira num futuro próximo. Nesse momento exato, essas pessoas facilmente ultrapassam em número os estudantes que treinam com um instrutor nos EUA. 
Eles podem ser muito dedicados ou ser relaxados, mas coletivamente têm muito poder e influência. Há também um interesse crescente vindo dos praticantes de vários outros sistemas de artes marciais para incluir desde um “chute de capoeira” em seus métodos até a inclusão da capoeira como um sub-sistema inteiro em sua arte marcial. Artes marciais nos EUA representam um grande negócio. Uma das minhas linhas de trabalho é como instrutor para a Escola Internacional de Dublês, organização baseada nos EUA. Estou em contato constante com uma gama de instrutores de artes marciais “bem-sucedidos” em todo o país. Muitos desses instrutores tem centenas, se não milhares de estudantes nessas organizações enormes, e mantêm conexões através da indústria de saúde e entretenimento. Como eu sou um dos poucos contatos com a capoeira que eles têm, recebo comentários freqüentes de como a capoeira tem se tornado popular aos seus olhos. 
Tenho sido convidado por organizações de artes marciais e de combate simulado em todo o continente para fazer demonstrações em seus eventos e ministrar workshops como instrutor de capoeira. Como um dublê, me sugerem constantemente que eu envie meu currículo devido às minhas habilidades como capoeirista. A indústria do entretenimento está acordando para o fato de que a capoeira é extremamente rentável, e esse reconhecimento certamente vai causar um impacto extenso e imprevisível na arte. Capoeira é muito atraente, e mesmo em sua forma mais modesta ela fascina o observador. Ela vende. Olha lá!
O Contra-Mestre Pererê (Eric Johnson) é graduado pelo Mestre Nô, e mantém em Seattle uma filial do Grupo de Capoeira Angola Palmares.

Depoimento do Mestre Caiçara – Parte 2 de 6

O depoimento do Mestre Caiçara foi tomado pelo Mestre Matiole, durante o Encontro Nacional de Capoeira de Ouro Preto, promovido em 1987 pelo Mestre Macaco e o Grupo Ginga (de Belo Horizonte).

O símbolo [???] indica um trecho do áudio que não consegui transcrever. Entendimentos e sugestões são bem-vindos.

Mestre Matiole: O senhor tem assim… A gente vê falar assim, né… O Mestre Bimba morreu na miséria. Mestre Pastinha…


Mestre Caiçara: Mas o Bimba morreu na miséria sabe por causa de que ? Do complexo dele. Ele dizia que não ensinava para filho de operário. Só ensinava para filho de bacana.


MM: O senhor tem alguma mágoa contra a capoeira, alguma coisa, ou não ? O senhor tem alguma mágoa da capoeira ?


MC: Não ! Eu adoro a capoeira. Eu sou livre, eu sou livre. Eu sou pai, eu sou mãe, eu sou filho, eu sou adepto da capoeira. Eu sou boxeador. Eu sou lutador de livre. Eu sou lutador de romana, que só ganha quando coloca isso no chão… Mas sou… Adoro é a capoeira. Até hoje, com 64 anos, ainda vadeio e eles não me ganham. E quando eles querem me cansar, eu ganho na experiência. Que roupa de homem não dá em menino. XXX. Hahahaha.


MM: É bonito…


MC: É… [???] Hahahaha. Ali, só fica copiando [???]


MM: É médico, é médico…


MC: Eu sei… Mas não tá certo. Tá certo que ele tá sabendo dizer a palavra…


MM: É colega nosso lá da Ginga…


MC: É ?


MM: Aluno de Macaco…


MC: Tá certo [???] Ele vai botar tudo aquilo, e quando chegar mais depois um para querer [???] ele, ele diz “não, olha aqui ó”. Para mim é um prazer, ou você, que eu vou fazer, você vai fazer uma fotografia, uma entrevista, eu exigir dinheiro ? Não… Dinheiro não vale nada ! O que vale no mundo é Deus, saúde e amigos. Com esse daí, com essa dali, o meu nome cresce e eu vou ganhar até o dobro. Talvez o que eu ganhar [???] de sua mão. Não acha não ?


MM: Acho.


MC: E é plantando que a gente colhe.


MM: Eu tô vendo que o senhor tem uma adoração muito grande por criança.


MC: Tenho.


MM: Quantos filhos o senhor tem ?


MC: Trinta.


MM: Trinta filhos ? Com a mesma mulher ?


MC: Não. Quem come num prato só é tuberculoso.


MM: Hahahaha.


MC: Hahahaha. A minha menor tem 2 anos.


MM: 2 anos ?


MC: É.


MM: O senhor adora criança, né ?


MC: Sou louco com criança. É a única festa que dou em minha casa, todo ano. No mês de outubro, é o caruru dos meninos. 6000 quiabos. É o caruru dos meninos, no dia 25 de outubro. Eu sou louco por eles, ave Maria. Sou louco. Quer brigar comigo ? Maltrate uma criança [???] de mim. Eu tava no restaurante comendo, chegou uns meninos. [???]. Chegou tudo assim na janela, e ficou conversando comigo. Eu disse “Já comeu ?”. Eles disse “Não”. “Olha aqui !” E eles vieram me ver aqui. Sabe disso ? Eu adoro, deixe o mundo quieto. Como Deus fez. Sabe disso ? Se eu venho na cidade, você fica assim, estarrecido comigo. Vê aquela malandragem, aquela garotada, me arrodeia, dizendo “Pai véio, pai véio, pai véio, Caiçara”. Os que não me conhecem, falam assim para o outro: “Papai, foi o meu mestre, mestre Caiçara”. [???]. Com um pouco, na hora de sair, faz: “Oh, Mestre, depois eu vou lá. Aquilo que o senhor me ensinou…” XXX. Parece um adulto. [???]


MM: Mestre, outra coisa… A respeito de racismo, por exemplo. Que a gente vê muito o pessoal falando “ah, o branco tomou a capoeira do negro, tomou o samba”. O que o senhor me fala sobre racismo ?


MC: O Brasil não tem branco, e não tem negro. Tem [???], veja compreensão e desenvolvimento. Eu não me importo de ser motorista. Dirijo um carro somente de uma espécie. O senhor já é motorista, já dirige carro de quatro, cinco espécies. Não é minha culpa. É a inteligência do senhor. É o prazer que Deus lhe deu. É a compreensão, é o esforço do próprio sujeito. Você dirige um, eu trago o meu. Eu não preciso seguir. Eu, não… Não tem nada de… No Brasil, não tem preto. No Brasil, não tem branco. Nós tudo somos caboclo. Somos índio. Nós somos é de índio e caboclo. Africano… Lugar de preto é na África. Hahahaha. Lugar de branco é na Alemanha. Lá que tem branco. [???]. É brasileiro, é autêntico ! É poderoso. Então… Eu não tenho dúvidas.

Caiçara nu camin

Caiçara nu camin (Teimosia)

Caiçara nu camin
U’a coba li mordeu
Ela butô seu dentin
Ela butô seu veneno
Caiçar’er’home pleno
Foi a coba qui morreu
A danada da coba
Tev’u qu’ela mereceu

Camaradinho…

Oi tim, tim, tim
A coba mordeu Caiçara
Oi tim, tim, tim
A coba mordeu Caiçara

Nietzsche e a tradição

Trombei há pouco com esse artigo: http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_7_10.htm

A abrangência do texto começa pelas “festas de boi”, mas eu creio que podemos expandí-la para qualquer folguedo popular, capoeira incluída. E justamente caminhando nessa linha de pensamento, de festas populares sendo alteradas com o decorrer do tempo, de personagens transitando entre festas, me lembrei de uma conversa que tive com um amigo faz um tempo: o que é a tradição, e como ela nos serve ?
Na época, acabamos indo esbarrar em Nietzsche (“Alvorada”):

Conceito de moralidade dos costumes.


Em comparação com o modo de vida de todos os milênios de humanidade, nós, humanos conteporâneos, vivemos uma era imoral: o poder do costume está fantasticamente enfraquecido, e o senso de moral, tão rarefeito que poderia ser descrito mais ou menos como evaporado. Isso é o motivo de perguntas fundamentais sobre a origem da moralidade serem tão difíceis para nós, recém-chegados – e mesmo quando as formulamos, descobrimos ser impossível enunciá-las – porquê elas soam estranhas ou porquê elas parecem depreciar a própria moralidade !

Isso é, por exemplo, o caso da proposição mestra: a moralidade não é nada além da obediência aos costumes, de quaisquer tipos que eles possam ser; os costumes, entretanto, são o modo tradicional de nos comportarmos e avaliarmos. Nas coisas nas quais nenhuma tradição comanda, não há moralidade; e quão menos a vida é determinada pela tradição, menor o círculo da moralidade. O ser humano livre é imoral porquê em todas as coisas ele está determinado a confiar apenas em si mesmo, e não em uma tradição: em todas as condições da humanidade, “mal” significa o mesmo que “individual”, “livre”, “caprichoso”, “não-usual”, “inédito”, “incalculável”.

Julgada pelos padrões dessas condições, uma ação realizada não porquê a tradição comanda, mas por outros motivos (por exemplo, porquê é útil ao indivíduo), ainda que sejam exatamente os motivos pelos quais a tradição foi um dia criada, é chamada imoral e sentida como imoral por aquele que a realizou: porquê não foi realizada com obediência à tradição.


O que é a tradição ? Uma autoridade maior à qual se obedece, não porquê ela comanda o que é útil para nós, mas simplesmente porquê ela comanda. O que distingue então o sentimento de existência da tradição, do sentimento de medo em si ? É o medo da presença de um intelecto superior que comanda, de um poder incompreensível e indefinido, de algo mais que pessoal – há superstição nesse medo. Originalmente, toda a educação e cuidado com a saúde, casamento, cura de doenças, agricultura, guerra, discurso e silêncio, negociação com outros povos e com deuses, pertencia ao domínio da moralidade: tais atividades demandavam que se observasse prescrições sem que se pensasse como um indivíduo.

Originalmente, entretanto, tudo era costume, e quem quer que desejasse se elevar acima disso devia tornar-se um ditador de leis e curandeiro e algum tipo de semi-deus: isso quer dizer, ele tinha que criar costumes – algo assustador, mortalmente perigoso !

O fato é que a conversa nunca terminou, mas as pulgas continuam me mordendo a orelha. “Tudo o que é demais, é muito”, “toda unanimidade é burra”, diz o povo… Em excesso, até carinho da mamãe e canja de galinha fazem mal. E o excesso de zelo com a tradição, como fica ? Não corremos o risco de engessar a história que nós próprios construímos diariamente ?
Outro dia postei um vídeo no YouTube, e achei um comentário interessante:

“Nunca vi um angoleiro que prestasse colocar joelho no chão, dar aú na frente da cabeça do camarada, ou botar a cabeça no pé do camarada… é por isso que esses dois estão na praça da Republica, sem uniforme, e sem nexo…”
De onde vem a tradição de “não por o joelho no chão” ? Será provinda daquela necessidade antiga de “não sujar a roupa” ? O conceito ainda se aplica em tempos modernos ? Eu não coloco o joelho no chão porquê aprendi assim – mas qual o motivo real, o rationale por trás ? E quanto à falta de uniforme ? Quanto tempo um costume precisa existir para virar tradição ? Uniformes na capoeira existem há uns 70-80 anos… A roda na praça da República acontece há uns 40 anos (até onde sei) – já deu tempo de ter criado as suas próprias tradições ? Existem tradições universais, dentro da capoeira ?

uns talões para cobra Mensalidade não, tendo talões de joias, entregue tambem um livro pequeno para presença. O livro de Ata foi visto, mais não entregue até então não existia livro de Registro de socio, nem livro caixa como também, nem mesa, nem armario, para melhor dizer, nem um banco, para os socio sentar emagene as visitantes. pois senhores tudo esta ja muitas coisas existe com o esforço nossos Vicente e Daniel e os nossos socio que concorre para esta arte como tambem algum vleho que são pouquisimo que ficara com nosco. e sendo auxiliado pelo amigos do esporte Dr. Wilson Lins, Dr. Tancredo Teixeira, Snr Alfredo Alaim Melo. Mario Cravo , e Caribé, Geraldo Reis Lessa, e outros.
foi entregue a presidencia ao Snr. Wilson Lins.

Depois, quando o correu o falicimento do Snr. Amôsinho: daí em diante ficou o Centro sem finalidade, porque foi abandonado por todos os mestres, hoje são desertores. Gravo em minha memoria os distintos que foi servir a Deus; Em Setembro de 1942, faliceu Aberrêr, no Fuisco de Baixo, jacaré; Em Fevereiro de 1944 fiz nova tentativa para organisar o Centro, fui procurado por muitas pessôas o que consegui em 23 de Março com alunos e amigos, camaradas no Centro Operário da Bahia, tambem foi abandonado por falta de entendimento. Depois de dois anos e meses. 1949 Fui procura pelo Snr. Ricardo ex-instrutor de luta da Guarda Civil, para que eu fosse reorganisar o Centro de capoeira que estava sem finalidade. Eu sempre pronto quando me procuravam, estava em minha casa, um domingo, quando dois camaradas me convidou para ir ver um terreno na Fabrica de Sabonete Sicool no Bigode, e la levantei a capoeira, e o Centro entrou

Capoeira, infiltração cultural e batatas

As batateiras são plantas da família Solanaceae, cultivadas normalmente pelo tubérculo produzido – a batata (http://en.wikipedia.org/wiki/Potato). Rica em amido, a batata é o tubérculo mais cultivado no mundo. É também o quarto vegetal mais plantado, ficando atrás apenas do arroz, trigo e milho.
A batata foi domesticada no sul do Peru e norte da Bolívia, em tempos pré-colombianos. Com a chegada dos espanhóis, a planta foi levada para todos os cantos do mundo, sendo a base da alimentação dos marinheiros.
Após a destruição da armada espanhola pelos ingleses e holandeses em 1588 (http://en.wikipedia.org/wiki/Spanish_Armada), destroços de navios e muitas batatas chegaram à costa da Irlanda. Fazendeiros irlandeses recolheram e plantaram os tubérculos.
Em 1845, uma doença atingiu os batatais da Irlanda, destruindo a colheita – e causando a Grande Fome (http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Irish_Famine) que matou 12% da população do país (um milhão de pessoas).
A batata era desconhecida na Irlanda em 1588. Em 1845, ela já era a base da alimentação do país – e a falta dela matou muita, muita gente. Oras, em 257 anos, criou-se um vínculo cultural forte o suficiente para que os irlandeses deixassem de plantar o que eles plantavam antes !
Na prática, a batata invadiu a Europa e substituiu outros vegetais como o nabo, no gosto das pessoas. Hoje, países como a Alemanha e a Inglaterra têm na batata a base de boa parte da alimentação da sua população.
Opa, mas qual é o ponto do post ?
A capoeira começou a sair oficialmente do Brasil na década de 1960, com a ida do Mestre Pastinha ao Festival de Artes Negras em Dakar. Em 47 anos, ela já ganhou o mundo. Já tem capoeira “plantada” em praticamente todos os países, e com certeza ela já entrou na cabeça das pessoas – ainda que grande parte seja somente por estética: saltos mortais, acrobacias que foram adicionadas ao hip-hop, aparições em cinema.
A pergunta é: como será o vínculo cultural das pessoas desses países com a capoeira, dentro de alguns anos ?
Particularmente, eu acho que será reproduzido o mesmo fenômeno que ocorreu com as artes marciais orientais, principalmente com o judo (que se espalhou pelo mundo com a Diáspora Japonesa – http://en.wikipedia.org/wiki/Japanese_diaspora) e o karate (que saiu de Okinawa depois da Segunda Guerra Mundial).
A maioria dos judo-kas e karate-kas de hoje não tem a menor idéia da filosofia por trás da arte que pratica. Aprenderam do fulano que aprendeu do sicrano que aprendeu do beltrano, que aprendeu do cachorro do tio da mãe da prima do mestre japonês.
Eu acredito que vai faltar contexto ! A raiz, que já vem sendo enfraquecida paulatinamente, vai ficar cada vez mais fina. As pessoas vão cada vez mais entender a capoeira como “Ah, aquela luta que veio lá do Brasil. Olha como o cara fica sarado e aprende a voar” – e só. E aí vão surgir mais barbaridades como essa:
“O campeão russo de capoeira x O campeão brasileiro de capoeira”
Mas posso estar sendo pessimista. Será que a capoeira vai ser absorvida e tornada parte da cultura popular de algum país, como ela é no Brasil ? Como um camarada angoleiro comentou comigo um tempo atrás, ele tenta devolver a capoeira a quem ela pertence – o povo.

Será possível devolver a capoeira a outro povo que não o brasileiro ?

Depoimento do Mestre Caiçara – Parte 1 de 6

O depoimento do Mestre Caiçara foi tomado pelo Mestre Matiole, durante o Encontro Nacional de Capoeira de Ouro Preto, promovido em 1987 pelo Mestre Macaco e o Grupo Ginga (de Belo Horizonte).

O símbolo [???] indica um trecho do áudio que não consegui transcrever. Entendimentos e sugestões são bem-vindos.

Mestre Matiole: O senhor está com quantos anos ?


Mestre Caiçara: 64 vou fazer em 8 de maio


MM: 64 ?


MC: É…


MM: Eu também sou de maio, 2 de maio


MC: Eu sou de 8 de maio. Meu signo é touro. Meu nome é Antônio da Conceição Morais, o popular Mestre Caiçara. Nasci em 8 de maio de 1924. Sou cachoeirano. Eu fui funcionário municipal há 37 anos. Capoeira aprendi com 14 anos. Vai fazer 50 anos que sou mestre de capoeira, que aprendi a capoeira. Mestre não, porque mestre é quem dá lição.


MM: Com quem o senhor aprendeu ? Com quem o senhor começou ?


MC: Com o finado Aberrê.


MM: Aluno de Pastinha…


MC: É, ainda é… Não ! Aberrê nunca foi aluno de Pastinha. Pastinha nunca foi capoeirista. Era pintor ! Agora, Jorge Amado…


MM: Enalteceu ele


MC: … enalteceu ele, e Mário Cravo. Agora Bimba era mestre de capoeira. Doze Homens era mestre de capoeira. Meu mestre, finado Aberrê, era mestre de capoeira. Vitor H. U. era mestre de capoeira. Geraldo Chapeleiro era mestre de capoeira. Canário Pardo era mestre de capoeira. Finado Besouro era capoeirista. Esse… Samuel Preto era capoeirista. Era mestre. Samuel Branco, Juvenal das Docas, da alfândega, era mestre de capoeira. Finado Noronha era capoeirista. Finado Traíra era capoeirista. Waldemar do Pero Vaz era mestre de capoeira. E de canto, foi quem me aperfeiçoou no canto.


MM: Era o Mestre Waldemar…


MC: Waldemar. É quem hoje em dia fabrica os berimbaus.


MM: Eu estive na Bahia, e estive com ele.


MC: É…


MM: Agora ele está meio assim, perrengue de saúde…


MC: É… Então, os mais… É… Finado [???] com competência e querer [???] Só tem uma força para poder apresentar quem tem uma obra com compreensão da nossa cultura, da capoeira autêntica, histórica do afro-brasileiro. [???] Eu não me importo que você faça dela argumento. Você aprende o original. Respeite. Atitude. Da autenticidade. Que aquilo que nasce com o nome próprio, morre com nome próprio. A capoeira só existe uma só. É angola ! Agora, você apresentar aquilo, aquilo outro, aquilo de qualquer jeito, e dizer que é capoeira… É fundamento ! Isso aí, isso não é só formalidade. A capoeira angola, a que foi criada pelos africanos no Brasil, radicados aqui na Bahia. Que a primeira cidade onde apareceu capoeira foi Santo Amaro da Purificação.


MM: E da época que o senhor viveu… Assim, a época de Mestre Bimba. Quando começou com a Regional, na época o pessoal aceitou bem ou foi contra ?


MC: Não… Ele só ensinava filho de barão. Ele não ensinava a filho de… A filho de operário.


MM: Então o pessoal era…


MC: É, o pessoal [???] É filho de papai e mamãe. A filho de operário ele está aí, não me dizia… O filho dele está aí, pode muito bem confirmar o que eu estou falando.


MM: O Mestre Bimba, era angoleiro…


MC: Ele era angoleiro, mas de acordo com a oportunidade, ele virou o toque de cavalaria. Aí virou o regional, era briga de rua, jogo de tomar, de dar e tomar. Mas ele era angoleiro, era amiguíssimo do meu mestre. Meu mestre era santamarense, descendente de africanos.


MM: E a iniciação do senhor no candomblé, foi desde criança também, ou depois que senhor já estava com uma certa idade ? Quando o senhor começou com o candomblé, foi quando o senhor era criança ainda, ou já depois de uma certa idade ?


MC: Não, de uma certa idade… A capoeira, quando eu era criança, 14 anos. E o candomblé, por o motivo de minha mãe era zeladora e dizia quando morresse entregava o cargo a mim. Então eu fiquei com o cargo. [???] casa de candomblé na Uruguai, fui na Liberdade, de Pernambuco. Fui registrado na Federação de Cultos Afro-brasileiros, na 13 de Maio, em Pernambuco. Mas deixei de tocar candomblé por causa da patifaria. [???] Pelas esculhambações. Pelas falsificação que existe no candomblé. A mais safada, de Umbanda e Quimbanda, esculhambou com cachaça, pederastismo… Que desvalorização. Fugi de tudo isso aí. Foi a base. Hoje em dia, eu fui aqui, de Ouro Preto, até histórias, viveu um povo, com muitos anos eu vim aqui. Como é bonita essa arte, então eu vim hoje, para ver, para saber, para dar uma instrução a vocês. Não como sábio, porque todo verdadeiro [???] mais experiência que tem. Mas dar sempre uma mão, uma oportunidade de um ensinar [???] É porquê vocês, faça uma pesquisa e veja se eu estou certo ou se estou errado.


MM: Mestre, uma outra pergunta… Para que é essa bengala, caracterísitica do senhor ?


MC: É… Essa bengala… É um símbolo do meu mestre. Meu mestre andava com uma bengala. Tome dentro de 36, um tantinho. Quando ele me disse “tome e zele [???]”, ele me entregou uma bengala. Pequenininha. E eu tenho até hoje. É o único mestre que anda com uma bengala.


MM: [???] Eu não perguntei uma coisa que era [???] não ?


MC: Não, mas não tem dúvida não. Só preocupo com a resposta.


MM: É uma coisa característica…


MC: É, justamente… É histórico. Pode procurar para você ver. O único mestre que anda com uma bengala sou eu. Nem a polícia não empata. Eu vou enferrujado com isso. Só ando assim na rua. Ela aqui tá um perigo. [???] Comigo ela sai daqui, ela atrapalha carro. Ela trabalha aqui, ela atrapalha aqui. Mas se [???] É um negócio sério. Entendeu ?


MM: Isso tá mostrando, mestre, que o capoeira pode ter uma arma. Não é como no karatê…


MC: Não… Karatê é capoeira copiada… A arma do capoeirista é as perna e a cabeça.


MM: Mestre, porque na capoeira atual a gente quase não está vendo a cabeçada mais ?


MC: Eles não sabe apresentar. Eles tão fugindo da autenticidade. Mas a capoeira… É uma roupa branca, é uma cultura… Apresentando os golpes, mas não para atacar ou ferir ninguém. Somente é [???], bem formalizado.


MM: Mestre, atualmente o senhor está dando aula, ou…


MC: Estou. Particular. [???] outra academia para mim. Lá em Salvador.

para as Exibições pelo que ja realisamos 8 sendo a primeira para o Bispo da França, no Bevedere, a segunda para uns turista no largo da sé no palanque, a terceira para congresso dos Medico Paulista em a Salvador sendo presidente do congresso o Dr. Menando Farias. a quarta Comapnha N. A. Bahia e Turismo, no X. P. T. B. Armação pela manhã; a quinta na Base Naval do Salvador a seista na lagóa do Abaité, sendo que motivo de chegar-mos atrazado por causa do transporte enviado por eles foi realisado no Hotel da Bahia no Salvador sabado do Carnaval, a setima na sede do Vitoria a oitava na rampa do Mercado Modelo para firmagem; esta no dia 9 de dezembro de 1956, e mais Exibições em passeio por conta dos socios S. Thomé de paripe, itapoan Itaparica madre Deus, Candeia, etc. N. B. O Centro me foi entregue, ao Vice Presidente Vicente Ferreira Pastinha somente papes que foram o seguintes uma propostas cheia, e outras em branco, e outras sendo um diario oficial do registro, uns papes para oficio e