Depoimento do Mestre Caiçara – Parte 1 de 6

O depoimento do Mestre Caiçara foi tomado pelo Mestre Matiole, durante o Encontro Nacional de Capoeira de Ouro Preto, promovido em 1987 pelo Mestre Macaco e o Grupo Ginga (de Belo Horizonte).

O símbolo [???] indica um trecho do áudio que não consegui transcrever. Entendimentos e sugestões são bem-vindos.

Mestre Matiole: O senhor está com quantos anos ?


Mestre Caiçara: 64 vou fazer em 8 de maio


MM: 64 ?


MC: É…


MM: Eu também sou de maio, 2 de maio


MC: Eu sou de 8 de maio. Meu signo é touro. Meu nome é Antônio da Conceição Morais, o popular Mestre Caiçara. Nasci em 8 de maio de 1924. Sou cachoeirano. Eu fui funcionário municipal há 37 anos. Capoeira aprendi com 14 anos. Vai fazer 50 anos que sou mestre de capoeira, que aprendi a capoeira. Mestre não, porque mestre é quem dá lição.


MM: Com quem o senhor aprendeu ? Com quem o senhor começou ?


MC: Com o finado Aberrê.


MM: Aluno de Pastinha…


MC: É, ainda é… Não ! Aberrê nunca foi aluno de Pastinha. Pastinha nunca foi capoeirista. Era pintor ! Agora, Jorge Amado…


MM: Enalteceu ele


MC: … enalteceu ele, e Mário Cravo. Agora Bimba era mestre de capoeira. Doze Homens era mestre de capoeira. Meu mestre, finado Aberrê, era mestre de capoeira. Vitor H. U. era mestre de capoeira. Geraldo Chapeleiro era mestre de capoeira. Canário Pardo era mestre de capoeira. Finado Besouro era capoeirista. Esse… Samuel Preto era capoeirista. Era mestre. Samuel Branco, Juvenal das Docas, da alfândega, era mestre de capoeira. Finado Noronha era capoeirista. Finado Traíra era capoeirista. Waldemar do Pero Vaz era mestre de capoeira. E de canto, foi quem me aperfeiçoou no canto.


MM: Era o Mestre Waldemar…


MC: Waldemar. É quem hoje em dia fabrica os berimbaus.


MM: Eu estive na Bahia, e estive com ele.


MC: É…


MM: Agora ele está meio assim, perrengue de saúde…


MC: É… Então, os mais… É… Finado [???] com competência e querer [???] Só tem uma força para poder apresentar quem tem uma obra com compreensão da nossa cultura, da capoeira autêntica, histórica do afro-brasileiro. [???] Eu não me importo que você faça dela argumento. Você aprende o original. Respeite. Atitude. Da autenticidade. Que aquilo que nasce com o nome próprio, morre com nome próprio. A capoeira só existe uma só. É angola ! Agora, você apresentar aquilo, aquilo outro, aquilo de qualquer jeito, e dizer que é capoeira… É fundamento ! Isso aí, isso não é só formalidade. A capoeira angola, a que foi criada pelos africanos no Brasil, radicados aqui na Bahia. Que a primeira cidade onde apareceu capoeira foi Santo Amaro da Purificação.


MM: E da época que o senhor viveu… Assim, a época de Mestre Bimba. Quando começou com a Regional, na época o pessoal aceitou bem ou foi contra ?


MC: Não… Ele só ensinava filho de barão. Ele não ensinava a filho de… A filho de operário.


MM: Então o pessoal era…


MC: É, o pessoal [???] É filho de papai e mamãe. A filho de operário ele está aí, não me dizia… O filho dele está aí, pode muito bem confirmar o que eu estou falando.


MM: O Mestre Bimba, era angoleiro…


MC: Ele era angoleiro, mas de acordo com a oportunidade, ele virou o toque de cavalaria. Aí virou o regional, era briga de rua, jogo de tomar, de dar e tomar. Mas ele era angoleiro, era amiguíssimo do meu mestre. Meu mestre era santamarense, descendente de africanos.


MM: E a iniciação do senhor no candomblé, foi desde criança também, ou depois que senhor já estava com uma certa idade ? Quando o senhor começou com o candomblé, foi quando o senhor era criança ainda, ou já depois de uma certa idade ?


MC: Não, de uma certa idade… A capoeira, quando eu era criança, 14 anos. E o candomblé, por o motivo de minha mãe era zeladora e dizia quando morresse entregava o cargo a mim. Então eu fiquei com o cargo. [???] casa de candomblé na Uruguai, fui na Liberdade, de Pernambuco. Fui registrado na Federação de Cultos Afro-brasileiros, na 13 de Maio, em Pernambuco. Mas deixei de tocar candomblé por causa da patifaria. [???] Pelas esculhambações. Pelas falsificação que existe no candomblé. A mais safada, de Umbanda e Quimbanda, esculhambou com cachaça, pederastismo… Que desvalorização. Fugi de tudo isso aí. Foi a base. Hoje em dia, eu fui aqui, de Ouro Preto, até histórias, viveu um povo, com muitos anos eu vim aqui. Como é bonita essa arte, então eu vim hoje, para ver, para saber, para dar uma instrução a vocês. Não como sábio, porque todo verdadeiro [???] mais experiência que tem. Mas dar sempre uma mão, uma oportunidade de um ensinar [???] É porquê vocês, faça uma pesquisa e veja se eu estou certo ou se estou errado.


MM: Mestre, uma outra pergunta… Para que é essa bengala, caracterísitica do senhor ?


MC: É… Essa bengala… É um símbolo do meu mestre. Meu mestre andava com uma bengala. Tome dentro de 36, um tantinho. Quando ele me disse “tome e zele [???]”, ele me entregou uma bengala. Pequenininha. E eu tenho até hoje. É o único mestre que anda com uma bengala.


MM: [???] Eu não perguntei uma coisa que era [???] não ?


MC: Não, mas não tem dúvida não. Só preocupo com a resposta.


MM: É uma coisa característica…


MC: É, justamente… É histórico. Pode procurar para você ver. O único mestre que anda com uma bengala sou eu. Nem a polícia não empata. Eu vou enferrujado com isso. Só ando assim na rua. Ela aqui tá um perigo. [???] Comigo ela sai daqui, ela atrapalha carro. Ela trabalha aqui, ela atrapalha aqui. Mas se [???] É um negócio sério. Entendeu ?


MM: Isso tá mostrando, mestre, que o capoeira pode ter uma arma. Não é como no karatê…


MC: Não… Karatê é capoeira copiada… A arma do capoeirista é as perna e a cabeça.


MM: Mestre, porque na capoeira atual a gente quase não está vendo a cabeçada mais ?


MC: Eles não sabe apresentar. Eles tão fugindo da autenticidade. Mas a capoeira… É uma roupa branca, é uma cultura… Apresentando os golpes, mas não para atacar ou ferir ninguém. Somente é [???], bem formalizado.


MM: Mestre, atualmente o senhor está dando aula, ou…


MC: Estou. Particular. [???] outra academia para mim. Lá em Salvador.

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