Genti qui vem di Lisbôa

Genti qui vem di Lisbôa (Domínio público)

Genti qui vem di Lisbôa
Genti qui vem lá du má
Laçu di fita’marela
Na ponta da vela, nu meio du má
Ei nóis
Qui viemo d’ôtas terra
D’ôtos má
Temo pórva, chumbu i bala
Nói viemo é guerriá

Camaradinho…

Samba nu má, samba nu má marinhêro
Samba nu má marinhêro, samba nu má istrangêro
Samba nu má, samba nu má marinhêro
Samba nu má marinhêro, vai apanhá istrangêro

Faca molada

U fi da faca’molada
Quano passa dói nu osso
Corta carni, corta nervu
Corta véio, corta moço
Faca’fiad’é pirigo
Cascavé di bot’armadu
Corta dia, corta noite
Corta seco i moiadu
U ferru bem afiado
Corta reto, corta tortu
Corta piquenin i grandi
Corta vivo, corta mortu

Camaradinho…

Vai jogá
Mulequin di sinhá
Vai jogá
Mulequin di sinhá

O poder da escala pentatônica

Denominam-se escalas pentatônicas, em música, ao conjunto de todas as escalas formadas por cinco notas ou tons. As mais usadas são as pentatônicas menores e as maiores, que podem ser ouvidas em estilos musicais como o blues, o rock e a música popular. Muitos músicos denominam-na simplesmente de “penta”.
Escalas pentatônicas são muito comuns, e encontradas por todo o mundo, incluindo mas não limitadas a: música tradicional celta, música tradicional húngara, música do oeste da África, cânticos espirituais afro-americanos, jazz, blues, rock, canto sami joik, músicas infantis, músicas tradicionais gregas de Epirus, noroeste da Grécia e sul da Albânia, afinação do instrumento etíope krar, afinação do instrumento indonésio gamelan, do kulintang filipino, melodias da Coréia, Japão, China e Vietnam (incluindo músicas populares destes países), tradição afro-caribenha, montanheses da Polônia e compositores clássicos como o francês Claude Debussy. A escala pentatônica é também utilizada nas gaitas de fole escocesas.

Bacana, né ? Agora veja o vídeo.

Ao final, o sujeito (Bobby McFerrin) comenta que “ele já fez esse tipo de performance em diversos lugares do mundo, e em qualquer deles a platéia “pega” a idéia do mesmo jeito”.

É como se o nosso cérebro humano estivesse “programado” de nascença a entender escalas pentatônicas. A música unindo o mundão sem porteira…

E falando nisso, sinta o peso desse som aqui (projeto “Playing for change” – uma única música gravada por gente do mundo todo, tudo-ao-mesmo-tempo-agora):

Gunga bateu!

Gunga bateu ! O povo da rua se achega, as crianças vem brincando pelas esquinas – balançando matos e revirando papéis velhos. Pássaros nos beirais se olham intrigados, sem saber de onde vem o chamado. O gato velho levanta as orelhas, sem ter certeza se ouviu seu nome. Gunga bateu ! A cachorrada se assanha, aqueles presos em coleiras invejando os que correm soltos na direção do som. Os cavalos vão se aproximando para vadiar. O arame segue falando, abrindo as portas e trazendo todos para perto. O arco é colorido, arco-íris entre céu e terra, chamando os de longe para perto. Gunga firmado, chega o roseiro, e vai contrapondo seu som – um gemido não tão sério quanto o de seu irmão mais velho, mas ainda assim fazendo com que os viventes tentem entender de onde vem cada arrepio. O toque tem cadência, é pesado – quase sólido, e segue batendo. Dim-dom-dim, dim-dom-dim, berimbaus bateram ! Quem está prestando atenção, mal levanta os olhos, tal a indolência ritmada. Viola chega por último, magrelinho e risonho. É uma verguinha, uma cabacinha, um fiozinho de arame. Mas da boca só lhe sai o que tem nas entranhas, e é alegria pura… Para quebrar o siso dos mais velhos, para impor um pouco de caos à ordem. E vai gritando – hora que sim, hora que não. Dim-dom-dim, dim-dom-dim, tríade formada, berimbaus bateram ! Pandeiro abre um olho, depois o outro. Vê o povo da rua em volta, gatos, cães, pombos, cavalos à espera. Vê cada morceguinho que observa de cabeça para baixo, escondidinho na sombra da mangueira. Pandeiro fala, e cada joelho da praça se balança. Cutuca seu irmão, também pandeiro, e lá vão os dois candongando. Tum-tá, dim-dom-dim – velhos conhecidos se reencontram, e lembram dos tempos antigos. Ingoma acorda mal-humorado. O couro de boi quer correr de novo em savana, e se deleita no lambuzo de dendê. Ingoma é atabaque, tambor que lembra do tempo da chegada, e tem saudade. TUM-TÁ-TUM, fala alto e um ou outro passarinho tem saudade de casa e voa para longe. Um cachorro se lembra do quintal onde cresceu, e gane baixinho. TUM-TÁ-TUM, tum-tá, dim-dom-dim, a bola de neve vai descendo o morro. Reco-reco vem de fininho, e começa a se esfregar, e é de uma quentura tão quente que os pés de todos se esfregam no chão, saltitando. O gato velho tem certeza de que alguém lhe chamou, e chega mais perto. O ferro observa a tudo, a tudo vê. Uma boca fala, outra boca fala, dim-dim-dom-dom-dom-dim-dim. O sol parece tremer por um segundo, enquanto o ritmo oscila para cima e para baixo – cavalo corcoveando no pasto, a espera de cavaleiro. O ferro segue gritando, falando da mina, da terra, do escuro do fundo do chão, do barro que fez homem e faz casa. Rei vindo de longe, agogô é ferro, e chama quem ainda não veio. E chega um, para comer antes de todos. E depois do um, outros, muitos outros. Dim-dom-dim, TUM-TÁ-TUM, tum-tá !

Maré, braço de mar

Antônio Laurindo das Neves começou a jogar capoeira em 1918. Segundo palavras dele mesmo, “aprendeu a tocar e a jogar observando os outros” (ouça a entrevista aqui http://www.youtube.com/watch?v=_EQbRlEzAOk ).
Antônio Laurindo das Neves cresceu para se tornar o Mestre Totonho de Maré, celebrado até os nossos dias como um dos grandes da capoeira. Quem nunca ouviu “Eu conheci Canjiquinha, também Mestre Bimba, também seu Maré” ?
Mas e hoje em dia, um capoeirista aprende a jogar só de olhar e ouvir ? Há quem diga “se o Mestre Maré não teve mestre, por que eu preciso ter ?” Não posso freqüentar rodas, observar e aprender ? Não posso comprar DVDs e CDs de capoeira, e também ser bamba ?
Respondendo a minha própria chamada, resumo a problemática numa palavra: contexto. Maré via e ouvia, mas provavelmente também conversava com os capoeiras, respirava ares cheios de informação e mandinga. Será que freqüentava as docas e as áreas da malandragem, da cafetinagem ? Será que se envolvia em “barulhos” onde precisava se por à prova ? Na entrevista citada acima, ele menciona uma briga com um companheiro, por causa de um revólver.
Eu entendo que Antônio Laurindo das Neves não teve um mestre – teve vários. E o maior deles, a própria vida num ambiente de malandragem (como diz o Mestre Toni Vargas, “se não fosse malandro, nem crescia“). Talvez daí o seu nome: Maré, ilha da Baia de Todos os Santos. Um baiano cercado de capoeira por todos os lados.