Gunga bateu ! O povo da rua se achega, as crianças vem brincando pelas esquinas – balançando matos e revirando papéis velhos. Pássaros nos beirais se olham intrigados, sem saber de onde vem o chamado. O gato velho levanta as orelhas, sem ter certeza se ouviu seu nome. Gunga bateu ! A cachorrada se assanha, aqueles presos em coleiras invejando os que correm soltos na direção do som. Os cavalos vão se aproximando para vadiar. O arame segue falando, abrindo as portas e trazendo todos para perto. O arco é colorido, arco-íris entre céu e terra, chamando os de longe para perto. Gunga firmado, chega o roseiro, e vai contrapondo seu som – um gemido não tão sério quanto o de seu irmão mais velho, mas ainda assim fazendo com que os viventes tentem entender de onde vem cada arrepio. O toque tem cadência, é pesado – quase sólido, e segue batendo. Dim-dom-dim, dim-dom-dim, berimbaus bateram ! Quem está prestando atenção, mal levanta os olhos, tal a indolência ritmada. Viola chega por último, magrelinho e risonho. É uma verguinha, uma cabacinha, um fiozinho de arame. Mas da boca só lhe sai o que tem nas entranhas, e é alegria pura… Para quebrar o siso dos mais velhos, para impor um pouco de caos à ordem. E vai gritando – hora que sim, hora que não. Dim-dom-dim, dim-dom-dim, tríade formada, berimbaus bateram ! Pandeiro abre um olho, depois o outro. Vê o povo da rua em volta, gatos, cães, pombos, cavalos à espera. Vê cada morceguinho que observa de cabeça para baixo, escondidinho na sombra da mangueira. Pandeiro fala, e cada joelho da praça se balança. Cutuca seu irmão, também pandeiro, e lá vão os dois candongando. Tum-tá, dim-dom-dim – velhos conhecidos se reencontram, e lembram dos tempos antigos. Ingoma acorda mal-humorado. O couro de boi quer correr de novo em savana, e se deleita no lambuzo de dendê. Ingoma é atabaque, tambor que lembra do tempo da chegada, e tem saudade. TUM-TÁ-TUM, fala alto e um ou outro passarinho tem saudade de casa e voa para longe. Um cachorro se lembra do quintal onde cresceu, e gane baixinho. TUM-TÁ-TUM, tum-tá, dim-dom-dim, a bola de neve vai descendo o morro. Reco-reco vem de fininho, e começa a se esfregar, e é de uma quentura tão quente que os pés de todos se esfregam no chão, saltitando. O gato velho tem certeza de que alguém lhe chamou, e chega mais perto. O ferro observa a tudo, a tudo vê. Uma boca fala, outra boca fala, dim-dim-dom-dom-dom-dim-dim. O sol parece tremer por um segundo, enquanto o ritmo oscila para cima e para baixo – cavalo corcoveando no pasto, a espera de cavaleiro. O ferro segue gritando, falando da mina, da terra, do escuro do fundo do chão, do barro que fez homem e faz casa. Rei vindo de longe, agogô é ferro, e chama quem ainda não veio. E chega um, para comer antes de todos. E depois do um, outros, muitos outros. Dim-dom-dim, TUM-TÁ-TUM, tum-tá !