Mais um que se achega, galope cantando
E me desafia a sua boca calar
Lhe digo, moleque, que vou lhe tapar
A boca com verso que faço brincando
Quem brinca com fogo acaba se queimando
Essa é a verdade que a vida nos dá
Receita que uso é só costurar
A boca de bobo com agulha e linha
Antes de fechar, encho de farinha
Branquinha que nem a areia do mar
Category Archives: cordel
Rasteira de fraco põe forte no chão
Rasteira de fraco põe forte no chão
É isso que a vida nos tem a mostrar
O vento que sopra aqui sopra lá
O forte é que acha que pega de mão
Na boca de calça ou no arrastão
Achando que a força é que vai derrubar
Não sabe do jeito que o corpo dá
E nem o que pode fazer esse nego
Que é fraco e mirrado mas não dá sossego
E lhe bota deitado na beira do mar
Em riba do espinhaço vaqueiro era rei
Em riba do espinhaço vaqueiro era rei
Dentro do cangaço ele era doutor
Do gibão, do punhal, da peixeira, o senhor
Fuzil papo-amarelo, madeira de lei
Acaba com a festa gritando “cheguei”
Ele rasga de faca quem queira tretar
Com o gado que é sua função levar
Pras bandas depois das fazendas do leste
Não perde uma rês, esse cabra da peste
Tocando a boiada prá beira do mar
Berimbau que bate pra lá da Ribeira
Berimbau que bate pra lá da Ribeira
E traz a morena para vir olhar
Ela vem sorridente, pára no lugar
E vê o jangadeiro jogar capoeira
Subindo de aú, puxando rasteira
Fazer bananeira, parado no ar
O brilho no olho reflete o luar
O brinco na orelha, marca de valente
Sorriso na boca, mostra branco dente
Lá na capoeira na beira do mar
E vem Samuel, de Deus o Querido
E vem Samuel, de Deus o Querido
Desce da jangada, entra na função
No meio da roda, chamada de mão
Em volta o coro, que canta florido
Um olho no céu, ele faz seu pedido
O outro no cabra na roda a gingar
Pede proteção ao santo prá jogar
Com esse caboclo que está sua frente
Não teme general, soldado ou tenente
Lá na capoeira na beira do mar
Caboclo danado que entra na roda
Caboclo danado que entra na roda
Que pula e que gira, tem parte com o cão
Que faz pirueta no pé e na mão
Com chapéu quebrado e com roupa da moda
Tem gente que gosta e tem quem discorda
Do jeito que o homem chega pra jogar
Do balanço mexido que seu corpo dá
Do riso, da graça, do ar de canalha
Do lenço de seda, do fio da navalha
Lá na capoeira na beira do mar
O ABC de Pedro Cem
Vou narrar agora um fato
Que há cinco séculos se deu
De um grande capitalista
Do continente europeu,
Fortuna que como aquela,
Ainda não apareceu.
Pedro Cem era o mais rico,
Que nasceu em Portugal,
Sua fama enchia o mundo
Seu nome anda em geral,
Não casou-se com rainha
Por não ter sangue real.
Em cada rua ele tinha
Cem casas para alugar,
Tinha cem botes no porto
E cem navios no mar,
Cem lanchas e cem barcaças,
Tudo isto a navegar.
Tinha cem fábricas de vinho
E cem alfaiatarias,
Cem depósitos de fazendas
Cem moinhos e cem padarias
E tinha dentro do mar,
Cem currais de pescarias.
Em prédios, dinheiro e bens
Era o mais que havia,
Nunca deveu a ninguém
Todo mundo lhe devia,
Balanço em sua fortuna
Querendo dar não podia.
Em cada país do mundo
Possuía cem sobrados,
Em cada banco ele tinha
Cem contos depositados,
Ocupava mensalmente,
Dezesseis mil empregados.
Diz a história aonde eu li
O todo desse passado,
Que Pedro Cem nunca deu
Uma esmola a um desgraçado
Não olhava para um pobre,
Nem falava com criado.
Uma noite teve um sonho
Um rapaz o avisava
Que aquele orgulho dele
Era quem o castigava
Aquela grande fortuna
Assim como veio voltava.
Ele acordou agitado
Pelo sonho que tinha tido,
Que rapaz seria aquele?
Que lhe tinha aparecido.
Depois pensou, oral sonho,
E devaneio do sentido.
Um dia, no meio da praça
Ele a uma moça encontrou,
Essa vinha quase nua,
Aos pés se ajoelhou
Dizendo: senhor? olhai!
O estado em que estou.
Ele torceu para um lado
E disse: minha senhora?
Olhe sua posição!
E veja o que faz agora
Reconheça seu lugar,
Levante-se e vá embora.
Oh! senhor por esse sol
Que de tão alto flutua,
Lembrai-vos que tenho fome
Estou aqui quase nua,
Sou obrigada a passar,
Nesse estado em plena rua.
Ele repleto de orgulho
Não deu ouvido, saiu,
A pobre ergue-se chorando
Chegou adiante caiu,
Vinha passando uma dama
Que com o manto a cobriu.
Era a marquesa de Évora
Uma alma lapidada,
Tirando o seu rico manto
Cobriu essa desgraçada,
Ali conheceu que a pobre,
Foi pela fome prostrada.
Levante-se minha filha
E pegando-lhe pela mão,
Dizendo a criada a ela:
Vá ali comprar um pão
Que a essa pobre infeliz,
Falta alimentação.
Entregando-lhe uma bolsa
Com quarenta e dois mil réis.
Apenas tirou dali
Um diploma e uns papéis
Não consentindo que a moça
Se ajoelhasse aos seus pés:
E com aquela quantia
Ela comprou um tear,
Tinha mais duas irmãs
Foram as três trabalhar
Dali em diante mais nunca,
Faltou-lhe com que passar.
Vamos agora tratar
Pedro Cem como ficou
E o nervoso que sentiu
Uma noite que sonhou
Que um homem lhe apareceu
E disse Ume bem quem eu sou.
Que tens feito do dinheiro
Que tomaste emprestado?
Meu senhor mandou saber
Em que o tens empregado?
E por qual razão cumpriu
As ordens que ele tem dado?
Ele perguntou no sonho
Mas que dinheiro eu tomei,
Até aos próprios monarcas
Dinheiro muito emprestei,
O vulto zombando dele,
Disse: quem tu és eu sei.
Que capital tinhas tu
Quando chegastes ao mundo?
Chegastes nu e descalço
Como o bicho mais imundo
Hoje queres ser tão nobre,
Sendo um simples vagabundo.
E metendo a mão no bolso
Tirou dele uma mochila,
Dizendo é esta a fortuna
Que tu hás de possuí-la,
Farás dela profissão,
Pedindo de vila em vila.
Pedro Cem sonhando disse:
Ave agoureira te some
Tua presença me perturba
Tua frase me consome
De qual mundo tu viestes?
Diz-me por favor teu nome.
Meu nome, disse-lhe o vulto
Es indigno de saber,
Meu grande superior
Proibiu-me de dizer
Apenas faço o serviço
Que ele me manda fazer.
Despertando Pedro Cem
Daquilo contrariado,
Ter dois sonhos quase iguais
Ficou impressionado,
Resolveu contrafazer,
E ficar reconcentrado.
Pensou em tirar por ano
Daquela grande riqueza
Sessenta contos de réis
E dar de esmola à pobreza
Depois refletindo, disse:
Não me dá maior franqueza.
Porque ainda mesmo Deus
Querendo me castigar,
Não afundará num dia
Meus cem navios no mar,
As cem fazendas de gado,
Custarão a se acabar.
As cem fábricas de tecidos
Que tenho funcionando,
Os parreirais de uvas
Que estão todos safregando,
Cem botes que tenho no porto
Todo dia trabalhando.
Cem armazéns de fazendas
As cem alfaiatarias,
As cem fundições de ferro
Cem currais de pescarias
Os cem moinhos, cem padarias.
E as centenas de contos
Nos bancos depositados,
E tudo isso em poder
De homens acreditados
Ainda Deus querendo isso
Seus planos eram errados.
Pedro Cem naquela hora
Estava impressionado,
Quando aproximou-se dele
O seu primo criado,
E disse aí tem um homem,
Diz vos trazer um recado.
Manda que entre a pessoa
Ele ao criado ordenou:
Era um marinheiro velho
Chegando ali o saudou,
Que novas traz, meu amigo?
Pedro Cem lhe perguntou.
Disse o velho marinheiro:
Venho-vos, participar,
Que dez navios dos vossos
Ontem afundaram no mar
Morreram as tripulações,
Só eu me pude salvar.
Que navios foram esses?
Perguntou-lhe Pedro Cem,
Respondeu o marinheiro:
Foi “Tejo” e “Jerusalém”
E “Douro” e “Penafiel”
Os outros eu não sei bem.
Aquele inda estava ali
Outro portador bateu,
O empregado das vacas
Contou o que sucedeu;
Incendiaram os cercados
E todo o gado morreu.
Pedro Cem nada dizia
Ficando silencioso,
Apenas disse: na terra
Não há homem venturoso,
Quem se julga mais feliz
E pior que cão leproso.
Chegou outro portador
O empregado da vinha,
Disse o depósito estourou
Vazou o vinho que tinha
Pedro Cem disse: meu Deus!…
Que sorte triste esta minha.
Saiu aquele entrou outro
Era um coronel norueguês,
Disse nos mares do norte
Andava um pirata inglês,
Noventa navios vossos
Tomou ele de uma vez.
Meu Deus!… Meu Deus!… que fiz eu
Exclamava Pedro Cem
Não há homem nesse mundo
Que possa dizer vou bem,
Quando menos ele espera
A negra desgraça vem.
Dos cem navios que tinha
Alguns foram afundados
E outros pelos piratas
Nos mares foram tomados
Acrescentou a pessoa:
Vinham todos carregados.
Ali mesmo veio o mestre
Da barca “Flor do Mundo”
Esse fitou Pedro Cem
Com silêncio profundo
Depois disse: senhor marquês?
Dez barcaças foram ao fundo.
Quatro vinham carregadas
Com bacalhau e azeite,
Duas vinham da Suécia
Com queijo, manteiga e leite,
De todas as mercadorias
Não tem uma que se aproveite.
Quatro das dez que afundaram
Traziam pérola e metal,
Só da Ilha da Madeira
Vinha um milhão em coral
Topázio, rubi, brilhante,
Ouro, esmeralda e cristal.
Pedro Cem baixou a vista
Nada pôde refletir,
Exclamou que faço eu?
Devo deixar de existir,
Mas matando-me não vejo,
Isso até onde pode ir.
Chegou o moço de campo
Tremendo e muito assustado
E disse: senhor marquês
Venho aqui horrorizado
Deu murrinha nas ovelhas
E mal triste em todo gado.
Naquele momento entrou
Um rapaz auxiliar,
Esse puxando um papel
Disse: venho procurar,
Tudo quanto se perdeu
Na barca “Ares de Mar”.
Pedro Cem perguntou quanto
Tirou o moço uns papéis
Que se lia entre brilhantes
Pulseiras, colares, anéis,
Um milhão e quatrocentos
E vinte contos de réis.
Entrou outro auxiliar
Disse eu quero pagamento,
Por tudo que se perdeu
No navio “Chave do Vento”
Que vinha da América do Norte
Com grande carregamento.
Chegou um tabelião
Dá licença sr. Marquês
Venho lhe participar
Que o grande Banco Francês,
Dois Alemães, três Suíços,
Quebraram todos de vez.
Lá se foi minha fortuna
Exclamava Pedro Cem,
Ontem fui milionário
Hoje não tenho um vintém
Só mesmo na campa fria,
Eu hoje estaria bem.
Dando balanço nos bens
Que até desesperam.
Tudo quanto possuía
Não dava para pagar
Nem pela décima parte
Os prejuízos do mar.
Exclamava: oh! Pedro Cem
Que será de ti agora!
No pouco que me restava
A justiça fez penhora,
Pedro Cem de agora em diante
Vai errar de mundo afora.
Carpir esta sorte dura
Que a desventura me deu,
Talvez muitas vezes vendo
Aquilo que já foi meu.
Em lugar que não se saiba
Quem neste mundo fui eu.
Ali no terraço mesmo
Forrando o chão se deitou
As onze e meia da noite
O sono conciliou
No sono sonhando viu,
O rapaz que lhe falou.
Aquele perguntou, Pedro
Como te foste de empresa,
Já estás conhecendo agora
Quanto é grande a natureza?
Conheceste que teu orgulho
Foi quem te fez a surpresa?
Metendo a mão na algibeira
Dali um quadro tirou
Onde havia dois retratos
Que a Pedro Cem os mostrou
Conheces esses retratos?
O rapaz lhe perguntou.
Via-se naquele quadro
Uma dama bem vestida
Pedro Cem disse por sonho:
Essa é minha conhecida
A outra uma moça pobre
Com fome no chão caída.
Perguntava-lhe o rapaz:
Quem é esta conhecida?
E a marquesa de Evora
E esta que está caída?
Essa? é uma miseravel,
Dessa classe desvalida.
O rapaz puxa outro quadro
Verde cor de esperança,
Onde via-se uma monarca
Suspendendo uma balança
Estava pesando nela
Caridade e esperança.
Mostrou-lhe mais quatro quadros
Que Pedro Cem conheceu,
Tinha a marquesa de Évora
Quando a bolsa à pobre deu
Que estirou a mão dizendo:
Toma este dinheiro que é teu.
No quadro via-se um anjo
Assim nos diz a história,
Com uma flor onde se lia:
Jardim da eterna glória,
Presenteado por Deus,
Esta palma de vitória.
Quem planta flores tem flores
Quem planta espinho tem espinho
Deus mostra ao espírito fraco
O que nega ao mesquinho,
A virtude é um negócio
A boa ação um pergaminho.
Depois que ele acordou
Triste impressionado,
Interrogava a si próprio
Por que sou tão desgraçado?
Achou na cama a mochila,
Com que tinha sonhado.
Será esta a tal mochila
Que o fantasma me mostrou;
E esta que o homem em sonho
Em desespero exclamou:
Na noite em que a cruel sina,
Por sonho me visitou.
De tudo restava apenas
A casa de moradia,
Essa mesmo embargaram
Antes de findar-se o dia
Então disse Pedro Cem,
Cumpriu-se a profecia.
Lançando a mão na mochila
Saiu no mundo a vagar
Implorando a caridade
Sem alguém nada lhe dar,
Por umas cinco ou seis vezes
Tentou se suicidar.
Ele dizia nas portas:
Uma esmola a Pedro Cem,
Que já foi capitalista
Ontem teve, hoje não tem
Á quem já neguei esmola
Hoje a mim nega também.
Foi ele cair com fome
Em casa daquela moça,
Quando foi à porta dela
Com fome, frio e sem força,
Que ele não quis olhá-la
A marquesa deu-lhe a bolsa.
A criada o viu cair
Exclamou: minha senhora!
Ande ver um miserável
Que caiu de fome agora,
Onde? perguntou a moça
Ama disse: ali fora.
A moça disse à criada:
Que trouxesse leite e pão
Aproximando-se dele
Disse: o que tens meu irmão
Bateste em todas as portas
Não encontraste cristão.
Senhora se vós soubésseis
Quem é esse desgraçado,
Não abrirás a porta
Nem me davas esse bocado.
Respondeu ela: conheço,
Mas eu esqueço o passado.
Me recordo que a marquesa
Fez minha felicidade,
Viu-me caída com fome
Teve de mim piedade,
Deu-me com que comprar pão
E esta propriedade.
Pedro Cem se levantou
Disse obrigado e saiu,
Andando duzentos passos
Tombou por terra, caiu
E umas frases tocantes,
Em alta voz proferiu:
“Vai unir-se à terra fria
O que não soube viver
Soube ganhar a fortuna
Mas não soube perder
Se tenho estudado a vida
Tinha aprendido a morrer.
Foi como a corrente d’água
Que pela serra desceu,
Chegou o verão e secou
Ela desapareceu,
Ficando só os escombros
Por onde a água correu.
Eu tive tanta fortuna
Não socorria a ninguém,
A todos que me pediram
Eu nunca dei vintém,
Hoje preciso pedir,
Não há quem me dê também.
Não desespero, pois sei
Que grandes rimas hoje expio,
Nasci em berços dourados
Dormi em colchão macio
Hoje morro como os brutos
Neste chão sujo e frio.
Foram as últimas palavras
Que ele ali pronunciou,
Margarida aquela moça,
Que a marquesa embrulhou
Botou-lhe a vela na mão
Ele ali mesmo expirou.
A justiça examinando
Os bolsos de Pedro Cem,
Encontrou uma mochila
E dentro dela um vintém
E um letreiro que dizia:
Ontem teve e hoje não tem
Peleja de Riachão com o Diabo
Autor: Leandro Gomes de Barros
Riachão estava cantando
Na cidade de Açu,
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu,
Tinha a camisa de sola
E as calças de couro cru.
Beiços grossos e virados
Como a sola de um chinelo
Um olho muito encarnado
O outro muito amarelo,
Este chamou Riachão
Para cantar um martelo.
Riachão disse: eu não canto
Com negro desconhecido,
Porque pode ser escravo,
E anda por aqui fugido
Isso é dar cauda a nambu
E entrada a negro enxerido.
Negro – Eu sou livre como o vento
A minha linhagem é nobre,
Eu sou um dos mais ilustres
Que o sol deste mundo cobre
Nasci dentro da grandeza
Não saí de raça pobre.
Riachão – Você nega porque quer
Está conhecido demais,
Você anda aqui fugido
Me diga que tempo faz
Se você não foi cativo,
Obras desmentem sinais.
N – Seja livre ou seja escravo
Eu quero é cantar martelo,
Afine a sua viola
Vamos bater-se em duelo
Só com a minha presença
O senhor está amarelo.
R – Vejo um vulto tão pequeno
Que nem o posso enxergar,
Julgo que nem é preciso
Minha viola afinar
Pela ramagem da árvore
Vê-se o fruto que ela dá.
N – Riachão isto são frases
De homem muito atrasado,
Porque são vistos fenômenos
Que na terra têm se dado
Uma cobra tão pequena
Mata um boi agigantado.
R – M eu riacho pela seca
Dá cheias descomunais
Na correnteza das águas
Descem grandes animais
Jibóias, surucujubas,
E monstruosos “Jaguais”
N – O Jaguar rende-me culto
A serpente aos meus pés morre
No que chegar minha ira
Só um poder o socorre
Eu digo ao rio, pare aí!
A água pára e não corre…
R – Você não é Josué
Que mandou o sol parar
E esse parou três dias
Para a guerra se acabar
Nem Moisés que com a vara
Fez o mar também secar.
N – Faço tudo que eu quiser
Minha força não tem limite
Os feitos por mim obrados
Não vejo homem que imite
Eu determino uma coisa
Não há força que a evite!
R – Salomão também fazia
O que queria fazer
Por meio de mágica ou química
Quis segunda vez nascer
Mas em vez do nascimento
Conseguiu ele morrer.
N – Salomão facilitou
Confiado na ciência
Encaminhou tudo bem
Mas faltou-lhe a paciência
Se não fosse aquele erro
Tinha tido outra existência.
R – Eu necessito saber
onde é seu natural
Porque não sei se o senhor
Tem nascimento legal
De qual nação é que vem
Se procede bem ou mal.
N – Você vem interrogar-me
Eu lhe interrogo também,
Diga para onde vai
E de qual parte é que vem
Se é solteiro, ou casado
Diga que profissão tem?
R Não tenho superior
Sou filho da liberdade
E não conto a minha vida
Pois não há necessidade
Porque não sou foragido
Nem você é autoridade!
N – É preciso advertir-lhe,
Fazer-,lhe observação
M e trate com muito jeito,
Cante com mais atenção!
Veja que não se descuide
E passe o pé pela mão!
R – Eu, para cantar repente,
Já estou muito habilitado:
Conheço algumas matérias,
Sou um pouco adiantado
Tive estudo quatro anos,
Me considero letrado!
N – Sou professor de matérias
Que sábio não as conhece;
A lei que dito no mundo,
O próprio rei obedece
Meus feitos são conhecidos,
A fama se estende e cresce.
R – Você diz que tem ciência,
Dê-m e um a explicação:
Se a Terra faz movimento
De quem é a rotação?
Porque é que em 12 horas
Há um a transformação?
N – Não é o Sol quem se move,
Este é fixo em seu lugar,
A Terra está sobre os eixos,
Os eixos a fazem rodar,
Que, por essa rotação
Faz a luz do Sol faltar.
R – Descreva o grande mistério
Que entre nós a Terra tem:
De que é formada a chuva?
Em que estado ela vem?
Se é criada aqui perto
Ou noutro lugar além?
N – A água em estado líquido
Por meio de abaixamento
Que há na temperatura,
E pelo resfriamento
Essa água é condensada,
Ajudada pelo vento.
A corrente atmosférica
De um a montanha elevada,
Que ajuda a temperatura,
Forma nuvem condensada.
Do vento movendo as nuvens
É disso a chuva formada,
Que essa chuva, depois
Que toda a Terra ensopar,
Por meio da evaporação
Torna ao espaço voltar,
Reproduzindo, o processo
Que acabei de lhe tratar.
R – O senhor conhece bem
Este país brasileiro?
Ora, respondeu o Negro:
N – Eu conheço o estrangeiro
Desde o córrego mais pequeno
Até o maior ribeiro!
Por exemplo, o Amazonas,
Que extrema com o Pará;
O Pará com o Maranhão,
Piauí com o Ceará,
E assim todos os outros
Se alguém duvida, vá lá!
E se qualquer um daqui;
Pretendendo viajar
Até o Rio de Janeiro
E não querendo ir por mar,
Eu lhe ensino o caminho
Ele vai sem se vexar.
R – Como faz essa viagem?
Onde se encontra o caminho?
Lugar de uma só morada,
Sem haver mais um vizinho
Tanto que, em muitos lugares
Não anda um homem sozinho!
N – Pode qualquer um sair
Do Açu ao Mossoró;
Querendo pode passar
Na cidade Caicó,
Subir pela margem esquerda
Do rio de Seridó
Riachão disse consigo:
– Esse negro é um danado!
Esse saiu do Inferno,
Pelo Demônio mandado,
E para enganar-me veio
Em um negro transformado!
Disse o negro: – Meu amigo,
não queira desconfiar,
Garanto que o senhor
Não ouviu bem eu cantar,
Na altura que eu canto
outro não pode chegar!
R – Vá na altura em quer for!
Riachão lhe respondeu.
Remexa todos os livros
Que o senhor aprendeu
Eu não conheço esse ente
Que cante m ais do que eu!
N – Você ficará sabendo
O peso de um cantador
Quando me ver outra vez
Me trate de professor,
Render-me-á obediência,
Conhecerá meu valor!
R – O senhor diga o seu nome,
Eu quero lhe conhecer,
Pois só assim posso dar-lhe
O valor que merecer,
Em tudo que você diz
A inda não posso crer.
N – Você, sabendo quem sou
Talvez que fique assombrado,
Superior a você
Comigo tem se espantado
Os grandes da sua Terra
Eu tenho subjugado!
R – Eu canto há dezoito anos,
Há vinte toco viola,
Sempre encontro cantador
Que só tem fama e parola
Quando canta meio dia,
Cai nos meus pés, no chão rola.
N – Eu já canto há muitos anos,
Não vou em toda função,
Arranco pontas de touro,
Quebro o furor do leão,
Nunca achei esse duro
Que para mim tenha ação.
R – Garanto que de hoje em diante,
O senhor tem que encontrar
A força superior
Que o obrigue a se calar,
Porque eu boto o cerco,
Quem vai não pode voltar!
N – Manoel, tu és criança,
Só tens mesmo é pabulagem!
Vejo que falar é fôlego,
Porém obrar é coragem
Juro que’ de agora em diante
Não contarás mais vantagem!
R – Meu pai chamava-se Antônio,
Seu apelido era Rio;
De uma enxurrada que dava
Cobria todo o baixio
Secava em tempo de inverno
Enchia em tempo de estio.
N – Conheci muito seu pai,
Que vivia de pescar,
Sua mãe era tão pobre,
Que vivia de um tear
Seu padrinho tomou você
E levou-o para criar.
R – Onde mora o senhor,
Que meu avô conheceu?
Que eu nem me lembro mais
Do tempo que ele morreu
E você está parecendo
Muito mais moço que eu!
N – Eu sei do dia e da hora
Que nasceu seu bisavô,
Chamava-se Ana Mendes
A parteira que o pegou
E conheci muito o frade
E o vi quando o batizou.
R – Bote sua maca abaixo
Conte essa história direito,
Da forma que você conta
Eu não fico satisfeito
Como ver-se um objeto
Antes daquilo ser feito?
N – Seu bisavô se chamava
Apolinário Cancão
Era filho de um ferreiro
Que o chamavam Gavião
Sua bisavó Lourença
Filha de Amaro Assunção.
R – Mas que idade tem você,
Que me faz admirar?
Conheceu meu bisavô
Eu não posso acreditar,
Assim destas condições
Faz até desconfiar.
N – Seu bisavô e o avô
Foram por mim conhecidos,
Seu pai, sua mãe, você
Antes de serem nascidos
Já estavam em minha nota
Para serem protegidos.
R – Que proteção tem você
Para proteger alguém?
Sua pessoa e os trajes
Mostram o que você tem
A sua cor e aspecto
Esclarecem muito bem.
N – Eu protejo você tanto,
Que o defendi de morrer
Você se lembra da onça
que um a vez quis lhe comer
Que apareceu um cachorro
E fez a onça correr?
R – Me lembro perfeitamente
Quando a onça m e emboscou
Já ia marcando o salto
Quando um cachorro chegou
A onça correu com medo,
Eu não sei quem me salvou…
N – Pois foi este seu criado
Que viu a onça emboscá-lo
Eu chamei por meu cachorro
Para da onça livrá-lo
Se lembra quando você
Ouviu o canto dum galo?
R – Eu me lembro disso tudo
Porque assim foi passado;
Mas que idade tinha eu
Quando esse caso foi dado?
Eu era tão pequenino
Que m eu pai teve cuidado.
N – Você tinha nove anos
Foi caçar um novilhote
Se entreteu com umas flores
Que tinha lá no serrote
A onça foi esperá-lo
Para sangrá-lo no bote.
Riachão disse consigo:
– De onde veio esse ente,
Que de toda minha vida
Conhece perfeitamente?
Este, será que é o Diabo
Que está figurado em gente?
N – O senhor pergunta assim
De que parte venho eu…
Eu venho de onde não vai
Pensamento como o seu
E saí do ideal
Primeiro que apareceu!
R – Agora acabei de crer
Que tu és o inimigo!
Te transformaste em homem,
Para vir cantar comigo,
Mas eu acredito em Deus
Não posso correr perigo!
N – Ainda não, lhe ameacei,
Nem pretendo ameaçá-lo!
Estou pronto a defendê-lo,
Se alguém quiser atacá-lo
Em minha humilde pessoa,
Tem um pequeno vassalo!
R – Não quero saber de ti,
Porque tu és traidor:
Desobedeceste a Deus,
Sendo Ele o Criador!
Fizeste traição a Ele
Quanto mais a um pecador…
N – Riachão, amas a Deus
Sendo mal recompensado!
Deus fez de Paulo um Monarca
De Pedro um simples soldado
Fez um com tanta saúde,
Outro cego e aleijado!
R – Se Deus fez de Paulo um rei,
Porque Paulo merecia
Se fez de Pedro um soldado,
Era o que a Pedro cabia:
Se não fosse necessário,
O grande Deus não fazia!
N – O teu vizinho e parente
Enricou sem trabalhar;
Teu pai trabalhava tanto
E nunca pode enricar
Não se deitava uma noite
Que deixasse de rezar!
R – M eu pai morreu na pobreza,
Foi fiel ao seu Senhor!
Executou toda ordem
Que lhe deu o Criador
E foi um a das ovelhas
Que deu mais gosto ao pastor!
N – Arre lá! Lhe disse o Negro.
Você é caso sem jeito!
Eu com tanta paciência,
Estou lhe ensinando direito
Você vê que está errado,
Faz que não vê o defeito!
R – É muito feliz o homem
Que com tudo se consola!
posso morrer na pobreza,
Me achar pedindo esmola
Deus me dá para passar
Ciência e esta viola!
O negro olhou Riachão
Com os olhos de cão danado,
Riachão gritou: – Jésus,
Homem Deus Sacramentado!
Valha-me a Virgem Maria,
A Mãe do Verbo Encarnado!
o negro, soltando um grito,
Dali desapareceu.
De uma catinga de enxofre
A casa toda se encheu,
Os cães uivaram na rua,
O chão da casa tremeu.
Riachão ficou cismado
Com cantor desconhecido,
Que, quando encontrava um,
Tomava logo sentido
O seu primeiro repente
Era a Deus oferecido.
Essa história que escrevi
Não foi por mim inventada:
Um velho daquela época
Tem ainda decorada.
Minha aqui só são as rimas
Exceto elas, mais nada!
Vejo capoeira em tudo
Vejo capoeira em tudo
Que vivo no dia a dia
O peixe nada gingando
No riacho de água fria
A nuvem que negaceia
Jogando no céu, passeia
Gato cantando, é que mia
Capoeira está aí
Pra quem quiser reparar
Sirene gritando avisa
Cavalaria a passar
Cachorro faz desafio
Latindo horas a fio
Convidando pra jogar
Por dentro da mata verde
Vejo ipê fazer lambança
A sua chamada pro céu
Com o galho que balança
Responda com atenção
Se subir, cair no chão
Não vá querendo vingança
Vejo capoeira em tudo
No jeito do galo cantar
Em vovó limpando couve
Na cozinha pro jantar
Cada folha escolhida
É uma escolha que a vida
Na roda nos faz jogar
Ônibus que pego às seis
Capoeira me ensina
Sem espaço prá mexer
Aperto não me amofina
Andando pra todo rumo
Ele balança, eu me aprumo
Cumprindo com minha sina
O fio esticado no poste
É corda de berimbau
O arco não se enverga
Mas o som sai, bem ou mal
O vento é quem tira o som
E é tocador do bom
Que assobia no quintal
Vejo capoeira em tudo
No dia em que nasci
Aqui o meu obrigado
Deixo aos que conheci
Faço a volta do mundo
Olho no olho, no fundo
E deixo a boca sorrir
À minha mãe agradeço
Por ter me posto na Terra
Ao meu pai, muito obrigado
Meu sentimento encerra
Gratidão e liberdade
Meu pai se foi, que saudade !
Eu continuo na guerra
Aos meus irmãos, obrigado
Por brigarem, por sorrirem
Por ensinarem amizade
Por falarem, por mentirem
Por mostrarem que o ninho
Tem mais de um passarinho
Por vocês quatro existirem
Aos amigos, obrigado
Pelas mãos para apertar
Pelas cervejas caídas
Pelos ombros de apoiar
Pelas palavras de apoio
O trigo separa do joio
Respiro amizade no ar
Ao amor, muito obrigado
Pelas horas divididas
Na saúde, na doença
As risadas repartidas
Pelo frescor na noite quente
Na noite fria, ardente
Pelas vindas, pelas idas
Aos mestres que me ensinaram
Não tenho como pagar
Não se paga uma vida
Não se paga o caminhar
Agradeço a essas pessoas
Para mim, mais do que boas
João, Capacete, KK
Vejo capoeira em tudo
Dia, noite, madrugada
Aqui o meu obrigado
Aos que vejo na jornada
Dou na roda uma volta só
Vou calado, que é melhor
E solto no vento a risada