“Minha imagem é minha cabeça” – Mestre Curió

Publicado originalmente no fanzine Mandinga, em 7 de junho de 1998
Quem é o mestre Curió?
Meu nome é Jaime Martins dos Santos, uma pessoa muito sofrida e vivida no cenário da capoeira nacional.
E o apelido de Curió?
Meu avô também era capoeirista e se chamava Curió, e esse nome surgiu por causa disso, quando eu comecei na capoeira todo mundo falava, “É o mesmo jogo do avô!”. Tentaram uma época me chamar de Dois de Prata, porque eu usava muita prata, mas não pegou.
Como foi que o senhor entrou para o mundo da capoeira?
Eu comecei capoeira com seis anos, e nem gostava muito, mas eu estudava numa escola, e tinha uns amiguinhos maiores do que eu, e eles aproveitavam do meu tamanho e me batiam mesmo. E eu tenho toda minha família de capoeiras, eu senti que estava na hora de aprender, aí cheguei pro meu bisavô e disse: “Eu preciso jogar capoeira”, e ele respondeu: “Muleque, você já quer jogar capoeira, mas você não gostava!” Aí eu expliquei tudo a ele. Na primeira aula ele me espancou o que pôde, mas eu aguentei, e quando voltei para a aula, já mais esperto, os garotos quando vieram me bater esbarraram no meu pé e na minha cabeça.
Qual foi o seu contato com Pastinha ?
Minha relação foi através do finado mestre Besouro de Santo Amaro, meu bisavô, ele me disse que se eu quisesse continuar com a capoeira, tinha que procurar Mestre Pastinha, porque só ele era angoleiro de verdade e de confiança.
Como era o Mestre Pastinha ?
Era uma figura incalculável, sutil, muito educado e que fazia seu trabalho com muita sinceridade e honestidade, mas era rígido, muito rígido, e foi  graças a essa rigidez que ele deixou tantos alunos bons.
Como era a relação entre aluno e mestre ?
Hoje os alunos querem que o mestre corra atrás deles, mas, naquela época, os alunos é que corriam atrás do mestre, porque tinham interesse. Hoje não levam capoeira com sinceridade, senão seria outra coisa!
Qual a importância da capoeira Angola hoje em dia ?
A importância da capoeira Angola naquela época e hoje em dia, para mim, é a mesma coisa, porque eu continuo com essa fidelidade que Deus me inspirou, e me nomeou mestre por Pastinha, meu avô, meu bisavô, e que me fez encarar a capoeira de corpo e alma. E eu a faço com muita sinceridade e responsabilidade como aprendi na Escola Mestre Pastinha, e tudo aquilo que eu achei lá, é o que eu estou transmitindo para os meus verdadeiros alunos, aqueles que querem me acompanhar e que querem a verdadeira capoeira Angola.
Como você vê a evolução da capoeira ?
Eu não vejo evolução, para lhe ser sincero, eu vejo é a perdição. A capoeira é muito rica, ela não precisa de infiltrações de outras artes marciais, porque ela foi a primeira luta no Brasil, e ela já traz sua filosofia. E hoje, o que eu vejo é a descaracterização, estão tirando o brilho, a essência, o patrimônio da capoeira, botam luta-livre, judô, karatê, eu gostaria que as pessoas olhassem com mais sensibilidade. E hoje, como Presidente da Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA), eu estou brigando em busca da originalidade na capoeira, porque, meu amigo!, angoleiro, na Bahia, atualmente tem muito pouco, porque jogar no chão é uma coisa, descer é outra coisa e jogar Angola é outra coisa. Porque capoeira Angola é somada, multiplicada, dividida e subtraída.
E o futuro…
Eu não vou ficar para semente a vida toda, e a minha preocupação é com meus alunos, eu quero que eles tenham alguma coisa de mim quando eu fechar os olhos, quero fazer o mesmo que Pastinha fez, deixar alguém para levar essa capoeira mais a frente e não deixá-la morrer. Eu quero ensinar muita capoeira e ver se ganho algum também… Não posso mais fazer as coisas de graça, estou chegando numa certa idade, já passei da metade e não quero morrer à míngua, pedindo esmola aos leitos de hospitais públicos, como aconteceu recentemente com mestre Bobó, Waldemar, meu mestre, mestre Bimba também e eu estou preocupado. As pessoas só olham os mestres depois de mortos, eu digo aos meus alunos – se quiserem fazer algo por mim, façam enquanto eu estiver vivo, porque depois de morto não estarei vendo nada. Eu não quero morrer e deixar minha família passando necessidade, com meus à toa como os filhos de Bobó, que era uma pessoa que tinha alunos em tudo que é lugar do mundo, e estes, quando ele estava no hospital, nem ligaram! E aí fica difícil. Eu tenho fé em Deus, nos orixás, Cosme Damião, que eu vou obter sucesso. Minha imagem é minha cabeça, e eu não estou aqui me preocupando com o poder, com cargo, nem com força, estou preocupado com a capoeira.
Religião…
Eu vou em todas religiões, acredito em tudo e desacredito em tudo ao mesmo tempo, mas a que eu tenho mais ligação é a umbanda, porque a capoeira Angola, de certa forma, é umbanda. Eu tenho descendência de africano, de nagô, de índio, então eu estou mais para a magia negra.
Sucesso…
Quando seu sucesso atrapalha alguém eles fazem tudo para lhe derrubar. Às vezes eu digo – não me atrapalhem que eu não sou rico, apenas trabalho para sobreviver, eu não tenho inveja de ninguém, o mesu Deus seu, é o mesmo meu, quando o seu mundo termina o meu começa. Se você não puder me ajudar, não me atrapalhe!
Como o senhor vê esse grande número de academias pelo Brasil, ensinando a capoeira regional ?
Eles às vezes se ferem quando mestre Curió fala, mas eu falo porque tenho êxito, e a capoeira que fazem por aí é puramente de exibição, sem essência. Dizem que é a capoeira Regional de mestre Bimba, mas até a capoeira de Bimba deixou de ser a mesma, a capoeira dele era gostosa, cheia de artimanhas. Nessas academias o que se vê é o cara tomando bomba, fazendo halterofilismo para ficar que nem o Hulk para jogar capoeira, enquanto a capoeira não precisa nada disso, porque não se mede o homem pelo tamanho e pela estatura, e sim pela sua capacidade.

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