Ainda a capoeira olímpica

Algum tempo atrás, escrevi um pouco sobre o que eu achava da capoeira olímpica. Ontem à noite, chegou até mim, pelo Facebook, o texto abaixo (escrito pelo Mestre Cobra Mansa):
ENCERRAMENTO DAS OLIMPÍADAS: QUE CAPOEIRA É ESSA? 


Assisti ao final das Olimpíadas em Londres. O Brasil, como sempre, apesar de não ter conquistado grandes medalhas, fez bonito. O encerramento em Londres, como de costume, foi cheio de pompas e fogos de artifício. O Brasil, país que vai sediar as próximas Olimpíadas em 2016, fez sua apresentação cultural. O samba foi destaque, com o gari Sorriso apresentando o Brasil de uma forma simples e bonita. Mas fiquei chocado quando, logo no início, depois da batucada, vi uma apresentação das mulatas brasileiras, com perucas e máscaras negras. Uma caricatura grotesca dos anos anos 50 em que era comum brancos com o rosto pintado de negro (os black faces) e até mesmo negros representarem um papel estereotipado, em que pulavam e imitavam macacos e animais para uma plateia branca, que esperava deles exatamente esse tipo de comportamento e estereótipo. Naquela época, em que o negro precisava de um espaço na TV e no teatro, era comum esse tipo de comportamento e até compreensível. Agora que estamos em 2012, depois de tantas lutas do movimento negro no Brasil e no mundo em prol de uma melhor imagem de nós negros, fiquei pasmado em ter que assistir tudo isso de novo!

Apesar do desconforto, continuei assistindo o encerramento quando tive uma decepção ainda maior: a apresentação da capoeira para o mundo! Começou com um grupo de acrobatas mal treinados, com o corpo todo cheio de óleo e um abadá branco, fazendo piruetas. Sem berimbau, sem canto, sem ginga, sem nada! Fiquei refletindo: que capoeira é essa que estamos apresentando para o mundo?! Aquilo mais parecia um circo com acrobacia para envergonhar qualquer atleta de ginástica olímpica. Acredito que os mesmos deveriam estar rindo ou chorando de vergonha. O que vimos foi um grupo de acrobatas mal treinados. Senti falta do nosso berimbau, o grande símbolo da capoeira. Na verdade, senti falta da capoeira! Não tiveram jogos de capoeira, somente acrobacias individuais. Será que a capoeira se tornou isso, uma apresentação acrobática sem ginga e sem berimbau? Foi triste, diante do preço tão alto que pagamos para conseguir chegar até lá. Valeu a pena ou aquilo foi só uma coisa “para inglês ver”? Acredito que para algumas pessoas talvez tenha sido a realização de um sonho se apresentar em uma final de Olimpíadas. Mas aonde está a nossa capoeira, essência, existência e alma? Como seria a capoeira nas Olimpíadas no Brasil? Estamos perdendo a nossa identidade, nossas raízes, tratando a capoeira como um produto rotulado, embalado e coreografado, “para inglês ver”. Nesse caminho, não importa mais sua historia ou trajetória, a capoeira está perdendo a sua alma dentro da trajetória esportiva. Fico apreensivo pelo futuro da capoeira nas Olimpíadas de 2016!
Belas palavras, e também muito propositadas. Mas sinceramente, não vejo o porquê da surpresa… Algum capoeirista ainda tem dúvida sobre qual é a imagem do negro, do Brasil e da capoeira, que a nossa elite tem (e quer vender) ? 
Nada contra quem gosta da capoeira acrobática, mas os que estão por cima (e por conseguinte, a mídia brasileira; e por conseguinte, a maioria da população) simplesmente ignora que a capoeira vá além de saltos. Qual capoeirista nunca foi perguntado “se sabia dar mortal”, ao dizer que joga capoeira ? Isso, amigos, é apenas mais um sinal dos tempos. O que vende mais, aparece mais… Angoleiros, regionais e contemporâneos, rituais e ritmos, tudo vai para a mesma panela do esquecimento: a capoeira que se quer mostrar é a do “fortinho que sabe saltar”. 
Que venham as olimpíadas de 2016. Elas virão, e irão, e alguns vão ganhar seu dinheirinho; outros vão continuar no “gueto”, escondidos, subversivos como a capoeira sempre foi.
Resistência é para quem é de resistência!
Para fechar, um trechinho de “Andrea Doria”, do Renato Russo.

Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto,
Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
Vendendo fácil o que não tinha preço.

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