Palestra do Dr. Fu Kiau (Salvador, 1997)

O texto abaixo foi gentilmente cedido por Daniel Mattar, treinel da FICA. O texto foi transcrito a partir de fitas K7 contendo a gravação da palestra do Dr. Fu Kiau, realizada em Salvador (1997)

III ENCONTRO INTERNACIONAL DE CAPOEIRA ANGOLA Fundação Internacional de Capoeira Angola – FICA
Palestra do Dr. Fu-Kiau (Lemba Institut – New York/USA) Salvador/Ba, agosto de 1997.
FITA 1 – LADO A
Dr. FU-KIAU: Eu vou falar pra vocês do nascimento do mundo da capoeira na terra Congo. São alguns fatos que nós temos que conhecer antes de começar qualquer coisa. Entre 1500 A.C., essa área particular que chama Angola e Congo foi visitada por fenícios. Essa visita foi a primeira registrada fora do continente africano, então foi a primeira visita conhecida pelos ocidentais. Entre esse período que nós falamos e o século XIII há um silêncio total, não sabemos nada. Depois deste tempo, o século XIII, que o reino do Congo-Angola cresceu. Esse reino era muito poderoso nesse momento particular (nessa época) . Esse reino era tão poderoso que era conhecido… era tão conhecido, que tinham livros escritos sobre esse reino. Vários professores universitários pesquisaram sobre esse reino, na Europa. Um deles chama-se Lopes, de Portugal; um outro chama-se George Balandier, da França, e George Balandier é um dos mais conhecidos dessa época da história do Congo, porque é dentro da pesquisa dele que nós encontramos (buscamos) as informações sobre o reino do Congo. Ele foi o primeiro europeu a reconhecer que o reino do Congo era tão poderoso, reconhecendo a existência de quatro universidades nesse local. Um deles foi conhecido como Instituto Lemba; o segundo conhecido como Instituto Kimpassi; o terceiro conhecido como Instituto Kikumbi, e o quarto, Instituto Welo (ou Uelo). Urna dessas universidades foi feita para o treino de mulheres. É muito importante insistir nesse fato. Por que essa existência de uma universidade prá mulheres? Porque o Congo acredita que a mulher é (ou está) mais perto de Deus. Porque a existência humana é impossível sem a presença da mulher. Esse reino do Congo, como era conhecido na época, é hoje conhecido com três nomes diferentes. O Ocidente descobriu a importância desse reino e não quis que este permanecesse unido, então dividiram esse espaço em três poderes: o sul deste reino foi para Portugal, conhecido hoje como Angola; o centro foi para a Bélgica, hoje conhecido como Zaire, ou República do Congo; o norte do reino foi dado para a França, e é conhecido também como República do Congo. Mais de 40% dos escravos trazidos para as américas vieram desta região particular. É bem infeliz para nós, porque o mercado de escravo destruiu totalmente este reino. Os maiores mestres que existiam nesse reino foram levados. Todos os jovens entre 15 e 25 anos também foram levados, e o pior, quando eles chegaram no Novo Mundo, por causa do tratamento que eles receberam, esses mestres… todos esses mestres que tinham esse conhecimento, tiveram que morrer. Eles morreram durante a travessia do Atlântico; quando chegaram na terra foram submetidos a trabalhos forçados, e os que não queriam se submeter tiveram que lutar. E como eles não tinham armas como os serthores, eles começaram a se organizar de maneira secreta Nessa medida eles começaram a entender os poderes que eles tinham adquirido na África E a mesma capoeira nasceu na América do Sul e no Brasil. Esta mesma prática existiu no norte da América Não conheci pelo mesmo nome. O ensinamento do que nós conhecemos como capoeira foi conhecido por outro nome, mais conhecido pelos seus aspectos de igreja, e se chamava mong. Então são esses dois nomes: capoeira e mong, o que era a capoeira no Congo-Angola Como eu disse mais cedo, Congo-Angola foi a terra da origem da capoeira, e então no caso o Brasil ter conhecido a capoeira não foi errado, não foi mal conduzido. Achou seu camitrho. Temos que entender as crenças e a visão de mundo destes povos. O povo bantu acredita que existem quatro níveis na vida O início de tudo, que nós conhecemos como big bang, é o nível 1, ali embaixo, conhecido como mussoni. Depois do big bang veio o processo de resfriamento, o mundo foi solidificado, e temos o nosso planeta Terra. Esta aí é a etapa 2. É nesta etapa 2 que a vida começa no seu nível mais baixo. E aí vem a etapa 3 onde os animais começam a surgir. É na etapa 4 que os seres humanos surgeim (Anne: eu falei vida no 2, mas eu acredito que seja vida vegetal). Eaí a vida é (se) completa na face da Terra. É nesse esquema que o povo bantu-congo tem como bases os seus ensinamentos, e acreditam que nada na Terra foge dessa base, desse esquema. Biologicamente, nós somos concebidos na etapa 1, nascemos na etapa 2 , amadurecemos na etapa 3 e morremos na etapa 4. E esse processo continua através do Universo. E eles explicam porque a lua é nua para eles. A lua está nua nessa etapa, sem vida nenhuma, porque ela está na etapa 2. Nesse processo nós vamos também descobrir o que é a vida. Todos os ensinamentos seguem o mesmo esquema. O povo bantu, devido o ensinamento nessas quatro partes (etapas), tem um tempo que nós temos que entender a origem da vida, como a vida na Terra é concebida, e o que é o nascimento. O que é também ser maduro e um líder, e o que é morrer. Para os bantu, a morte não é o fim, porque a morte é um processo como qualquer outro processo, e porque é um processo eles veem como música. Nós nascemos sob música e morremos sob música, porque dentro de nós temos uma percussão que é o coração. Então os instrumentos que fazemos fora de nós são iguais, e é por isso que é importante para qualquer pessoa envolvida com capoeira. Para entender o conceito da música dentro da capoeira, esse candidato tem que entender que a música é o seu coração biológico. Vou tentar explicar isso com os slides. Para os bantu, especialmente os congo, viver é um processo emocional, de movimento. Viver é movimentar, e movimentar é aprender. Você avança, você se movimenta para trás, você se movimenta prá esquerda e você se movimenta para a direita, e essas são as quatro direções. Mas, tem mais três. Temos que aprender a se movimentar para cima, temos que movimentar para baixo. São as seis direções. Um candidato à capoeira deve descobrir a sétima direção. E essa direção é muito importante. Temos que entender que dançar e se movimentar é se movimentar dentro de um ovo. O capoeirista se movimentando tenta quebrar essa casca de ovo. O capoeirista (candidato a capoeira) é como um pintinho dentro do ovo, tentando quebrar a casca. Ele tenta bater prá cirna, bater prá esquerda, bater prá direita, bater pra frente, bater pra trás, bater pra baixo, mas a coisa mais importante é bater pra dentro (por dentro). É por isso que o capoeirista quando jogando, não pode perder o centro. É por isso que na vida temos que também ter essa consciência de não perder o centro para ter saúde e riqueza. O Movimento na vida é muito importante, e temos que descobrir o valor da vida Se você prestar atenção aqui, você tem um centro e temos essas direções. E eu falei que se movimentar é aprender. Os movimentos que você faz na capoeira é um movimento, e não é limitado a aula que você está aprendendo (no caso, aprendendo capoeira). É parte da sua própria vida. Você tem que conhecer pessoa fora. Você precisa encontrair (conhecer) as pessoas vivas e as pessoas mortas. Esse conceito não é muito conhecido no Ocidente, e por isso que o Ocidente não entendeu muito bem a cultura africana. Nós aprendemos mais com os mortos do que com os vivos. Isto é muito comum dentro do povo africano. Isto é ilustrado na maneira como os africanos respeitam os mortos. E é verdade também… mas eles não enxergam, não percebem nessa (ordem). Se você for em qualquer livraria, você vai ver mais livros escritos por mortos do que escritos por vivos. E os bantu falam: nós escutamos e aprendemos mais dos mortos. É por isso que os bantu falam: escutem mais os mortos que os vivos, porque os mortos se tornaram pedras, e os vivos são capim. Eles podem ser facilmente pisados, enquanto os mortos, que são pedras, não podem ser destruídos tão facilmente. Então isso aí é muito importante na nossa vida quando descobrimos a…..
Daniel Dawson: Alô. Eu acho que muitos de vocês já viram a apresentação de Dr. Fu-Kiau antes, mas certamente vocês podem ouvir isso novamente. Dr. Fu-Kiau é importante como pesquisador, como estudioso, e como um líder de tradição. Ele tem duas formações: uma formação em sistemas tradicionais africanos, tais como LEMBA, e várias outras. Ele também foi educado da forma ocidental. Ele é um doutor em Educação, e tem vários mestrados. Atualmente é o diretor do serviço de biblioteca numa prisão de Boston (USA), onde ele ensina cursos sobre cultura africana. Ele também foi um dos primeiros africanos a abrir um instituto dedicado à cultura africana, e muitos dos mais importantes estudiosos, como Robert F. Tompson……….aprenderam suas informações vindas dele. Pelo fato do Instituto dele ser dedicado ao registro e a discussão da cultura africana, ele é uma enciclopédia dessa cultura Nós deveríamos nos beneficiar de algum dos conhecimentos dele, hoje. Muito deste conhecimento vem do Instituto Lemba. Lemba foi importante em todas as Américas. É importante também no Candomblé de Angola porque existe um nkisi chamado Lemba; é importante no Haiti porque uma parte do seu vodum é chamado vodum Lcmba; é importante também em Cuba. Então Lemba é uma das instituições mais importantes, e vocês vão poder ter contato com isso, porque não só ele é uma pessoa iniciada em Lemba, mas ele tern um estudo ocidental dedicado a isso, e tem o processo iniciatório. Também serão beneficiados pela tradução de Eneida. Dr. Fu-Kiau.
Dr. FU-KIAU: É um grande prazer prá mim estar aqui. Esta é a segunda vez, segundo dia que eu experencio algo que me faz chorar. A primeira vez eu fui para uma celebração, e nessa particular celebração eu ouvi canções que não eram em português, mas canções que eram na minha língua. E aqui novamente, eu ouvi algumas canções, não em português, não em inglês, nenhuma outra língua européia, mas em minha língua e em iorubá. E uma dessas canções fez o meu coração bater tão rápido. Essa música era KALUUNGA KULUMUKA. Kaluunga é uma palavra chave na religião congo. A palavra significa o oceano; também significa imensidão; significa também a energia maior que existe. É também a palavra que significa Deus. Então pra mim ouvir Kaluunga Kulumuka, todo o meu corpo mudou. Eu vi os céus descendo entre nós. É uma pena que muitos não tenham essa mesma experiência em particular que eu tive. A segunda canção, foi a canção na qual os cantores estavam tentando enviar suas lágrimas como uma chuva, ao contrário do que acontece conosco quando ela vem dos céus. E depois dessas duas canções, eu disse pra mim, dentro de mim: “se eu tiver algum poder de falar aqui, talvez fosse apenas o fato de eu sentar e ouvir mais. Mas porque me foi pedido prá falar, eu tenho que dizer algumas coisas.
O Brasil, na minha experiência é o meu país. Porque, em qualquer outro lugar que eu for agora, eu vejo as pessoas retomando prá casa. Mesmo aqui, as canções, os tambores… da mesma forma que são tocados e cantados de volta na minha casa. Uma terceira canção que eu mencionaria aqui, que foi a canção… e nessa canção tem algumas palavras, na verdade são duas palavras, e essa canção foi NGOMA MALEMBE, que significa: “tambores toquem devagar, não nos acelere, não nos façam andar- rápido. Nós não vamos compreender suas vibrações”. Essas são coisas profundas prá mim.
Eu tenho muito orgulho de ter sido permitido de visitar o Brasil, e eu agradeço a esta senhora chamada SIMBI VALDINA e Mestre Cobrinha. Sem eles eu não poderia estar aqui. Eles são as portas para que eu possa estar aqui. Nós estamos vivendo um tempo diferente agora. Por quatro ou cinco centenas de séculos nós estivemos separados. Nada nos separa agora: nem o oceano, nem a terra, nem inesmo as línguas. Nós somos um, hoje. E pelo fato de termos nós tornado um, nós temos que aprender uns dos outros. Eu vim aprender de vocês, e eu espero que vocês venham aprender de nós. O mundo tornou-se uma única vila (aldeia), uma vila global. E nessa vila, nós teremos as tendas (as barracas) dentro das quais teremos irmãos de sangue, pessoas brancas, pessoas amarelas, pessoas vermelhas e talvez pessoas verdes e amarelas [talvez em referência às cores das bandeirolas verdes e amarelas que decoram o Terreiro Catendê]… a gente ainda não sabe (Risos), porque o universo está se expandindo. Há apenas algumas semanas atrás um homem enviou uma máquina que aterrissou em Marte, e a gente sabe que as máquinas continuarão a ser enviadas para mais outros lugares, e que provavelmente nós encontraremos seres vivos nesses outros planetas. E esses seres também serão aceitos nessa vila global. Nós vamos aprender suas línguas e eles vão aprender as nossas línguas, mas primeiro precisamos encontrar o nosso círculo, a nossa fonte, como a nossa casa Na sua casa você está seguro e você está protegido. Sem o seu próprio centro, sem a sua casa, você não pode está seguro. Você vai estar sempre com medo em qualquer lugar que você esteja. Lá fora, e mesmo dentro do prédio mais bonito. Se você não tem o seu centro dentro desse edifício, você não vai estar seguro. É importante para nós, povo africano, descobrir as nossas próprias raízes. Essas raízes, não necessariamente têm que ser encontradas na África. Existem muitas coisa que estão neste momento faltando na África, da mesma forma que muitas coisas estão faltando no Novo Mundo, pelo lato de que houve um tempo em que muitos Estados na África foram destruídos pelo tráfico de escravos. A maioria dos maiores mestres que existiam realmente naqueles países foram aniquilados. Eles foram capturados e transformados em escravos. Muitos poucos dentre eles chegaram a alcançar o Mundo Novo, e muitos morreram nessa travessia do oceano; e como tal, muitos conhecimentos da África foram tomados, levados da África. É por isso que nós precisamos nos reunir, porque uma parte desse conhecimento var ser encontrado no Mundo Novo [a imagem do caleidoscópio: pedaços que se espalham formando novas configurações se, contudo, perder- o colorido, ou a beleza], e uma outra parte será encontrada no Mundo Antigo, na África. Eu escutei muitas palavras nesse país, que são canções que não existem mais na África hoje, e que nós sabemos que são canções Lemba. E eu sei que são canções Lemba porque eu sou um iniciado Lemba. Quando eu era jovem eu não conhecia essas canções, mas quando eu fui iniciado eu aprendi essas canções. E quando eu cheguei no Mundo Novo, eu encontrei essas mesmas canções, e as palavras chaves mais importantes nos ensinamentos da África, são encontradas aqui também. A minha conversa com vocês vai abarcar muitas coisas, e urna delas será a visão de mundo do bantu; como é que o bantu vê o seu mundo. É muito importante você compreender esse mundo bantu. A palavra bantu foi introduzida no Mundo Novo através de estudos antropológicos, e como tal esta palavra é mal-compreendida. BANTU significa, em primeiro lugar, pessoa. E esse é o plural. O singular disto é MUNIU. Então o bantu, ele não é aperras encontrado na África Eu sou um MUNTU, e vocês todos são bantu. Existe um ditado, quando os homens brancos entraram na África, na área bantu, em todos os lugares ouviam estas palavras: muntu e bantu. Aí o homem branco disse: ah! eles são bantu. E quando os homens bantu descobriram que os homens brancos estavam chamando eles de bantu, eles ficaram surpreendidos e disseram: Bom, se nós somos bantu, então vocês não são bantu. Então nós podemos lhes colocar em qualquer categoria que nós quisermos. Em animais, em árvores, em pássaros, ou até mesmo vocês podem ser uma terra Mesmo assim esse erro foi cometido e a gente não consegue corrigir isso hoje. Mas nós fazemos, precisamos descobrir o centro de nós. E nós podemos ir a qualquer lugar se nós protegemos o nosso centro. Nos tornamos hoje em dia mais doentes porquê estamos perdendo o nosso centro, porquê geralmente as pessoas fora se sentem desprotegidas. Sentem medo quando saem de casa, e protegidas quando estão dentro de casa. Seu poder interior é a chave da sua extensão fora. Nós não podemos ter medo se acaso a capoeira está se expandindo, tão longe, enquanto estiver ligado ao centro.
Mestre Acordeon: Muito obrigado Dr. Fu-Kiau, é uma analogia muito bonita. Acredito que a música é: ai ai Aidê
FIM DO LADO A
FITA 3 : LADO A
* Palestra do Dr. FU-KIAU no Terreiro Catendê. Festa de TEEMPO Salvador, 17/08/97
Macota Valdina Pinto: … é da cultura bantu, e dar à ela o lugar que ela merece , ao lado da cultura iorubá e da cultura ewê-ewê fon. Entre nós, a cultura tem sido deixada, tem sido transmitida através da oralidade, quando nós nos iniciamos num terreiro. E nós aprendemos com os mais velhos, através dos exemplos, através das repetições, através da participação, traços de culturas tradicionais. O jeito como nós fazemos aqui no Brasil, pode estar distante da África tradicional, mas é o que nos liga e o que nos dá identidade africana, é o que nos é passado através da religião. Então, uma língua africana que foi impedida de se falar, o nome, que dá identidade a um ser humano, e que também foi proibido de se ter, nós resgatamos no candomblé. Então, o candomblé é muito mais do que uma religião pra nós. O candomblé é o espaço onde a gente afirma, onde a gente resgata uma identidade que nos foi tirada. Eu acho que é muito mais… não sei se Mutá, mas muito mais nós estamos aqui hoje prá aprender com nganga Fu-Kiau. Pra mim representa minha ancestralidade aqui presente, e eu estou aqui mais para beber as palavras de Fu-Kiau.
FITA 1 : LADO B
Dr. FU-KIAU: Se você encontrar um ainigo que você não viu há dez anos, o que você faz? Dá uni abraço. Essa aí é a chave da vida. Quando nós encontramos amigos forníamos um V(<), para cumprimentá-lo. Isso significa que a pessoa que você vai encontrar também vai formar um V(>). Então as duas juntas formam um diamante ( <> ). Cada um leva a sua energia paia o centro do diamante, e se tornam um. Hoje a América não é mais só. Tampouco a África. Nos tornamos um, porque nós nos encontramos. Ou pela comida que nós comemos; ou então viajando; ou nos livros que lemos da África e da América; ou porque nos encontramos numa festa… nos tornamos Um. Esta forma (formato), na vida, é a chave principal para a vida e para viver. Temos que tentar viver para formarmos esta forma de diamante. Se podemos tentar proteger esta forma na nossa vida, teremos a capacidade para criar, para formar uma família forte, porque isto aqui é a chave de qualquer casamento. Quem entende essa forma vai conhecer a formação da sociedade africana. Dentro dessa forma temos dois “i” (a letra i). Um i é fêmea e o outro i é macho. Esses dois formam um casamento. Esses dois i criam o nascimento para outros i. Quando um i é nascido desses dois i, temos que ter muito cuidado. Não imporia o que aconteceu, não leva a sua briga para esse terceiro i, porque a vida desse terceiro i depende dos dois primeiros. É importante, como estudantes de capoeira para entender verdadeiramente que um capoeirista é um ser humano dentro de um ovo. Temos que saber como se movimentar. Então não teremos que usar um martelo para quebrar a casca, porque você é poderoso. Você pode não saber disso, mas o poder tá dentro de você. Como capoeirista, pode destruir facilmente se usado de maneira errada. Mas, o poder dentro de você, como capoeirista, se usado de maneira apropriada, você pode construir muito mais do que você acha. Precisamos dessa energia hoje para poder construir uma nova aldeia, uma aldeia global, aonde todo mundo vai (boiar), cada um dentro do seu próprio ovo, sem quebrá-lo, por outros … (Inaudível) a menos que nós queiramos. Como eu disse, esta foi uma palestra breve… falei demais? Se for o caso eu paro aqui. Se tiverem alguma pergunta, podemos respondê-la aqui ou fora. Muito obrigado. .APLAUSOS.
Cobrinha: O Daniel vai apresentar o Dr. Fu-Kiau.
Daniel Dawlson: O Dr. Fu-Kiau é um tipo raio de estudioso. Ele nasceu em Manianga, Zaire, hoje República do Congo. É um local muito importante para as tradições do Congo. Dr. Fu-Kiau também tem duas educações. Ele tem o doutorado numa universidade ocidental, mas também ele foi educado nos ensinamentos tradicionais africanos. Ele foi iniciado em três academias diferentes, na África. Um que um dos mais importantes capoeiristas cantou sobre. O nome desse local é Lemba. É um local muito importante na África para o conhecimento tradicional. Muito desse material (ensinamentos) que nós vemos agora vem desse… Lemba. Ensinamento Lemba. Ele foi também um dos primeiros africanos a abrir um instituto na África, em 1963, para coletar informações sobre culturas tradicionais na África. Foi a primeira instituição criada por um africano. Muitos destes estudiosos jovens, aprendem destas instituições…
Cobrinha: Muitos destes estudiosos jovens aprenderam sobre cultura tradicional através deste instituto, desse material coletado.
Daniel Dawlson: Ele escreveu seis livros. Ele é considerado escritor predominante sobre a cultura congo. Obrigado.
DEBATE
Mestre Acordeon: Em primeiro lugar, parabéns Dr. Fu-Kiau, aprendi bastante. Obrigado pela palestra, nós temos sempre que aprender, mas eu gostaria de fazer também alguns comentários. Quero pedir a permissão dele, com todo respeito que faço, não somente por ele, pela palestra dele, como também pelo conhecimento que ele tem. Eu tenho morado nos Estados Unidos por 18 anos, e tenho a oportunidade de intervir de alguma forma como nós apresentamos, nós estudamos alguns desses aspectos que se relaciona com a nossa cultura. No específico da capoeira, durante esse tempo nos Estados Unidos, eu recolhi muitas teses de doutorado, de mestrado… eu tenho examinado por algum tempo, e naturalmente capoeira é importante, porque é uma arte africana em essência, e interessa a muita gente, mas eu tenho dificuldades em alguns aspectos. A capoeira tem uma história longa no Brasil, não somente através da tradição oral como também através de registros escritos. Eu tenho examinado que existe uma tendência, nos Estados Unidos, dessas teses, desses trabalhos destes estudiosos, de se classificar a capoeira dentro de uma perspectiva que não leva em consideração essa trajetória histórica da capoeira no Brasil. A maioria desses trabalhos, dessas pessoas, que escrevem, que falam, que estudam capoeira, não conhecem suficientemente da língua portuguesa para examinar essa literatura que nós temos, nem a nossa história. Então o pessoal se baseia dentro da literatura, em inglês, sobre artes africanas, sobre história africana, sobre rituais africanos. Eu acredito que o estudo desta literatura sobre temas africanos, sobre as artes africanas, filosofia e tudo o mais, é de fundamental importância para nós entendermos a… brasileira, para nós entendermos a nossa herança cultural africana, mas na verdade, estes estudos não explicam… Através de a capoeira se apresentou de forma diferente, e foi uma questão de sobrevivência da capoeira (>>>>) Então eu pergunto: quanto válido é se aplicar o modelo africano que nós levantamos através do estudo, da literatura e do material desta …sobre capoeira que é uma arte essencialmente africana, em termos de elementos foimativos, mas que através do tempo mudou tanto, se apresentou com tanta roupagem, se nós já reconhecemos, já registramos, existe, está na literatura, só que não é disponível para (inaudível). Então eu perguntei pro Dr. Fu-Kiau qual é a validade de se aplicar genérico de uma arte, de forma tão mutável, porquê a meu ver é (me esqueci do termo em português…) um erro metodológico de pesquisas, de trabalhos em termos de estudos antropológicos, em termos de deduções analíticas…
Dr. Fu-Kiau: Sua questão é muito importante. É uma semente viva que você tá jogando aí. É muito difícil responder esta pergunta, só se Makindê estivesse aqui… o que é uma coisa muito difícil… Mas eu vou tentar responder o que pode fazer parte da minha resposta Porque minha resposta não vai ter só uma parte, não vai se resumir em uma parte só. Alguém aqui está com seu filho ou filha aqui? (….) Isto aí é muito importante, isto aí é que é uma das coisas que eu encontrei em toda a minha vida nos Estados Unidos. Na África, nenhum ensinamento vai ocorrer sem a presença das crianças, porque as crianças são nosso futuro.(….) Esta aí é Vera, e Vera é parte de Gabriel. Gabriel não pode ser sem Vera. Ela até que poderia ter tido este filho com um homem que não visse mais. Talvez o pai não fosse nem reconhecer o filho. Mas este homem, não importa aonde ele esteja, este homem tem uma ligação com Gabriel. Ele aceite esta ligação ou não, ele é parte de Gabriel. Como tal, ele é ligado a Vera. Gabriel não será uma semente inteira dentro da comunidade, sem estas duas forças, estes dois V’s, protegendo Gabriel. Eles podem ser separados, mas eles têm as responsabilidades para proteger Gabriel. Este aí é o processo de passar o conhecimento. Temos que reconhecer a fonte, porque todas as fontes são sementes, e todas as sementes podem se tornar árvores. Não importa como são os galhos. Estes galhos têm que ser alimentados pelas raízes do tronco, porque eles são parte desta semente. Essas galhos podem ser grandes e bonitos, e estes podem ser fininhos sem muitas folhas. Mas eles são parte da árvore, fazem parte da árvore. A diversidade é importante na vida humana. Mas não tanto quanto a unidade. É verdade que a capoeira passou por muitas mudanças. Mas todas as capoeiras têm uma semente. E esta semente tem que ser reconhecida. Porque sem ela, capoeira não é. Sabemos, por exemplo, de uma dança conhecida, famosa, no Novo Mundo, o Tango. Todo mundo conhece o tango, sabe o que é, e sabemos que tango é uma palavra africana Tango querendo dizer tanga no singular e matanga no plural. O mundo, por si é uma palavra, e o nome matanga é um segundo funeral. Quando um chefe morre dentro de uma comunidade, a comunidade chama todo mundo, até em comunidades distantes, para fazer um encontro.
FIM DO LADO B
FITA 2 LADO A
Dr. FU-KIAU: Depois que a comunidade souber o que nós devemos, nós coletamos o dinheiro, e pagamos as pessoas, a quem a pessoa está devendo. Quando o balanço está feito, a dança chamada Matanga é aberta, com muitos instrumentos musicais. Quando os escravos chegaram ao Novo Mundo, eles trouxeram esta dança, que ocorria geralmente aos domingos. O Tango não é uma dança no Novo Mundo como ela era no Congo. O Congo não pode reclamar do Tango como ele é hoje em dia. Mas eles reconhecem. Eles foram os doadores do Tango para o Novo Mundo. É importante para o mundo Ocidental saber de onde vem esta palavra Quando nós chegamos no Novo Mundo, nós mudamos os nomes das localidades. Eu fui visitar, há duas semanas atrás, o Grand Canyon, que é um belo lugar nos Estados Unidos. Antes de ir eu perguntei a muitas pessoas educadas, ninguém podia me dar o nome original deste local. Porque nós pisamos este nome. Nós não sabemos o que Grand Canyon era no passado. Nós não sabemos da História que nós estamos pisando, mesmo, quando nós vamos lá no Grand Canyon, porque perdemos o nome deste local. E eu descobri que o noine deste local significa “Fonte do Sal”, porque os índios tinham o costume de ir lá e coletar o sal para as comunidades respectivas. E muito importante pra gente saber de onde nós viemos, para então saber para onde estamos indo. Se nós sabemos que estamos encima (ou debaixo da terra). Nós não vamos destruir a terra Porque nós não prestamos muita atenção aonde nós estamos pisando, então nós destruímos. Nós construímos encima, nós andamos em cima, nós cuspimos em cima, nós fazemos amor em cima, mas ninguém pensa que a terra é mais importante do que qualquer outra coisa que nós temos. Nós a estamos destruindo, porque não temos a consciência do seu valor. Tem uma música que nós estávamos cantando na capoeira, essa música “ia, iê, ia ,iê…”, eu não lembro bem da música, mas é um nome congo, em que yanya (iaiá) quer dizer mãe, porque é a terra. Porque o capoeirista não pode se tornar parte se ele não conhece a terra Porque você pode voar em cima, mas você não pode esquecer que vai volta à terra. O que é a fonte. Não importa o que eu estou dizendo prá vocês que nós todos somos bantu. E cada um dentre vocês é um Muntu. É um ser humano. Então agora eu vou falar um pouquinho agora sobre a visão de mundo do bantu. O bantu acredita que o nosso mundo é um ovo. Um ovo que pode expandir. E nós acreditamos que nessa expansão muitos mundos estão sendo criados. E a Terra, de acordo com o bantu, foi o primeiro planeta a ser feito, e que todos os planetas do Universo, de acordo com o bantu, passam por quatro passos principais. O primeiro passo é chamado de MUSSOME, que literalmente quer dizer imprimir. Imprimir códigos genéticos. Dentro das árvores, dentro das pessoas, dos povos… e depois dessa posição que é chamada de Mussome, é também a posição concebida como Big Bang no Ocidente. Aí vem o processo KULINGUI. Esse processo de resfriamento levou muitos e muitos e muitos anos, até que a terra tornou-se sólida. Aí veio o estágio dois. E este estágio chamado KALA, é o estágio de nascimento da terra. É também nesse estágio que a vida sobre a terra, no seu nível mais inicial, no seu nível mais inferior começou. As plantas começaram a crescer. E aí vem o terceiro estágio, que é vermelho, e esse terceiro estágio, a terra testemunha o nascimento dos animais. E aí vem o quarto estágio, que é LUVEMBA, e que eu conheço muito bem, e que PEMBA é muito conhecido aqui no Brasil. Então PEMBA e LUVEMBA são a mesma palavra. Então é nesse estágio que ocorre o Homem ou o ser humano. Com o nascimento do Homem sobre a terra, nós ternos também a morte, FUÁ, ou LUFUÁ, que é morte. E aí o processo se completa. Esse processo, ele ocorre hoje no universo. Para as pessoas bantu, eles vão dizer que a lua está nua porque…
MUTÁ IME: …Possa pensar que nós temos que nos unir para um novo mundo. Nos prepararmos para um mundo melhor. Eu gostaria de cantar uma canção em comemoração ao término da fala do Dr. Fu-Kiau. Eu repetirei aquela cantiga que o emocionou tanto, e que também significa LEVANTAR, SE ERGUER E CAMINHAR, já que estamos hoje celebrando TEEMPO, MOVIMENTO, CAMINHADA, AÇÃO E PENSAMENTO.
FIM DO LADO B

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