Entrevista feita por Helina Rautavaara, na academia do Mestre Pastinha, em 1964.
Transcrição direta do áudio, com alguma tradução do espanhol (a Sra. Helina falava em “portunhol”)
Introdução (1996)
Helina Rautavaara: Em todo caso, todavia estamos durante a minha primeira visita (…) Bahia. Eu começava a encontrar coisas, e claro, me falaram sobre Mestre Pastinha – que ainda àquela época não era cego. Tinha sua academia, dirigia sua academia, às vezes jogava… Eu até tenho uma foto, muito muito ruim porque foi tirada com aquelas máquinas de 10 dólares – mas ele está jogando mesmo. Em sua academia, é claro. Era fundamento angola… o verdadeiro. Angola… E uns dos mais velhos, senão primeiros na Bahia. Claro, a capoeira é uma tradição muito antiga, tem seus heróis durante a escravidão. A escravidão não foi tanto tempo atrás. Eu tenho entrevistas… Entrevista na casa do Waldemar da Liberdade, que também é muito famoso capoeirista. Tenho uma entrevista com um velho – ou foi velha, não me recordo mais – que foi escravo, nasceu escravo. Oh! Então, tantas recordações há na Bahia. Ora, se perderam todas… Me disseram que se perderam, que deixaram perder tudo, tudo, tudo. E a música mesmo… Influenciada por rádio e televisão. Já não existe nada de folclore autóctone, tradicional. Já se mudou, hoje. Então na casa, me chamaram Mestre Pastinha. E claro, Mestre Pastinha, como dirigia sua academia, ele me apresentava a um jovem e eu fui a ele dizendo que queria gravar. E ele me apresentou esse jovem, alto, forte e bonito, que se chamava Raimundo. Preto, preto, preto. Angola! Então depois que me apresentou, ele como um guia, como uma pessoa que me ensinaria e guiaria, e cantaria para mim. Cantando capoeira amarrado, com todos lá. Agora aqui vamos escutar essa gravação. Que verdadeiramente é clássica, muito, muito clássica. Ainda posso … essa musical. Porque Raimundo sabia cantar. Depois comecei a andar com ele pelas festas de largo, e às vezes… Ele tinha um pouco de jeito de africano. Por exemplo, quando estávamos descendo ladeira, ele não andava comigo, andava um pouquinho atrás. E me lembro da polícia vindo me dizer: “Esse sujeito aí está seguindo você”. Vinham me advertir que era perigoso. E eu ficava rindo. “Não, é meu camarada…” Mas como eu disse na outra fita, naquela época, durante minha primeira visita, 1963, 1964, eu não tinha romances, não tinha amores. Então o livro de Jorge Amado foi realmente foi uma novela. Somente depois que voltei da África para a Bahia que eu comecei a andar com DiMola. E estávamos sempre rindo que somente depois eu estava vivendo acontecimentos do livro de Jorge Amado que ele tinha escrito anos antes. Então eu peço aqui, depois eu tenho entrevistas com Mestre Pastinha em outras fitas. Se couberem, eu vou juntá-las aqui. Se não, vai ser em outra fita. Mas essa é a primeira gravação da capoeira de angola, 1964.
Entrevista (1964)
Helina Rautavaara: Eu queria que me contasse um pouco, desde que ano começou como capoeirista ?
Mestre Pastinha: Desde 1910.
HR: E em que ano fundou essa capoeira ?
MP: Em 1941.
HR: Por favor, me explique um pouco mais sobre o que é a capoeira. Eu já sei, mas me explique.
MP: A explicação que eu tenho ? Que é da capoeira ?
HR: É.
MP: Sobre a origem dela ?
HR: Sim, sobre a origem.
MP: A origem é africana.
HR: E onde você aprendeu ?
MP: Aqui na Bahia.
HR: Em que ano ?
MP: Aos 10 anos de idade.
HR: E de quem aprendeu ? E quem lhe ensinou ?
MP: Um africano.
HR: Como ele se chama ?
MP: Se chamava Benedito.
HR: Mestre de angola.
MP: Angola!
HR: E… Diz-se que a capoeira é uma luta, mas que agora está proibida como luta…
MP: Não… Ela não está proibida como luta não. Ela está no íntimo do homem. Na hora que ele encontra um rival, ele então se manisfesta com ela em ato de luta. Agora quando estamos em ato de alegria, ela passa a ser dança.
HR: Na sua academia, há quanto tempo está nesse lugar ? Aqui no Pelourinho ?
MP: No Pelourinho, desde 1952.
HR: O senhor quer me contar algo de sua vida, como capoeirista ? Você foi ao Rio, a São Paulo ?
MP: Rio, São Paulo, Brasília, Porto Alegre…
HR: E para o estrangeiro também ?
MP: Ainda não. Tive uma oportunidade que perdi, que tinha que ir à Argentina. Mas porquê recebi um convite de São Paulo, então ficou revogado. Para eu vir a São Paulo, deixei de ir à Argentina.
HR: Em que idade tem que aprender capoeira ?
MP: Em que ano ?
HR: Em que idade.
MP: Não, ele aprende de qualquer idade. Em qualquer idade pode aprender.
HR: Esses rapazes que estão aqui, são trabalhadores, estudantes.
MP: É… São trabalhadores, operários, estudantes, funcionários, empregados no comércio. Tem de tudo.
HR: E a capoeira é somente um passa-tempo.
MP: É.
HR: Que eu vi ali [inaudível]. A capoeira não dá vida.
MP: Não.
HR: Mas você, o que faz ? Você vive da academia ?
MP: É.
HR: E… Que modificações novas aconteceram aqui ? Como era a capoeira antes ?
MP: Antes ?
HR: Era o mesmo ?
MP: Era a mesma coisa. Era a mesma coisa. Não tem modificação nenhuma. A modificação é a consideração de um homem para outro. Se ele tem a vocação, toma em ato de alegria ou em festa, então nós jogamos ela com mais obediência, com mais técnica. Agora, quando passar o ódio, ela modifica também, vira para luta. Em ato de alegria, é para dança. E no ato do ódio, já sabe como é: é para a violência.
HR: Diga-me uma coisa. Você pessoalmente não sai mais na rua.
MP: Não, não, não…
HR: Mas apresenta a capoeira em Boa Viagem. Em que festas apresenta ? Em Santa Bárbara. Em, em… Conceição…
MP: Em Santo Amaro, Cachoeira.
HR: Boa Viagem…
MP: Boa Viagem. Eu estou em todos os lugares. Onde sou convidado a ir, eu vou.
HR: Sim.
MP: Estamos aqui prontos para atender qualquer finalidade, seja qualquer lugar. Aonde se interessarem por ela, eu também me interesso em ir.
HR: Onde você acha que a tradição de capoeira é mais puro ? Aqui mesmo ?
MP: É…
HR: O que pensa de Mestre Bimba ?
MP: Nada tenho a responder. A finalidade é outra, e eu não posso introduzir uma finalidade… Agora nessa aqui, eu sei responder sobre ela. Agora lá sobre o outro… Sei que ele é um… A respeito do Bimba, eu não posso dar a finalidade. Porque ele tem a finalidade dele. Só quem pode declarar é ele mesmo.
HR: Mas você acha que… Ele disse que representa uma tradição baiana. Você crê que é baiana ?
MP: Ele é baiano também. A tradição é a mesma. De mim para ele, de ele para mim, penso que não há modificação nenhuma.
HR: Você mestre representa mais uma tradição africana, angolense. Ele apresenta outra tradição mais…
MP: Angola! Ele apresentou então em outra modalidade. Sobrenome de regional. Ele apresenta ela com o sobrenome de regional. Mas ele é angoleiro, ele aprendeu angola.
HR: Era, era…
MP: Ele é tão angoleiro quanto eu sou, aí eu não desmereço ele…
HR: E os outros como Waldemar e Caiçara… São discípulos seus ?
MP: Aqui para nós, eu não posso dar a finalidade do outro. Só posso dar a minha. Porquê eu só posso apresentar a minha, não posso apresentar a outra.
HR: Não, não, eu não perguntei isso. Eu perguntei somente como tradição africana.
MP: É a mesma, a tradição é a mesma. Agora eles tem a declaração deles diferente. Eles aprenderam com outro mestre. Eu não posso dizer nada.
HR: Que planos tem para o futuro ? Para modificar, fazê-la maior ?
MP: O futuro dela é esse mesmo. Da evolução do homem. Aí é somente a evolução do homem. Mas ele tem que se manifestar dentro dela mesmo. No mesmo ritmo, não pode sair fora…
HR: Me diga uma coisa… Que significado tem quando eles começam cantando, e saúdam assim. Uma saudação. Tem algum sentido religioso ?
MP: Ela é religiosa. Vem da mesma religião que tem o candomblé. Tem o batuque, o samba. Ela é da mesma parcela. Agora, com a modificação, um pouquinho diferente. O manifesto é um pouquinho diferente. Mas a parcela é a mesma, a religião é a mesma.
HR: Alguém me disse que há uma rivalidade entre candomblé e capoeira…
MP: Não há rivalidade… É unida.
HR: Em algum livro eu li que há uma briga entre elas. Não há ?
MP: O capoeirista é o mesmo feiticeiro. Agora eles abandonam mais uma parte por outra. Nós acompanhamos o fetichismo. Nós acompanhamos o candomblé. Não fosse assim, nós não iríamos na casa de candomblé. Não é ? Mas é da mesma parcela. Agora um que gosta mais de uma finalidade que da outra.
HR: Claro, claro…
MP: Um corre mais por capoeirismo, outro corre mais por fetichismo.
HR: A revista que lhe prometi, vou lhe mandar da Finlândia. Porque aqui não tem… Do Rio eu podia mandar, porque no Rio tem. Podia mandar alguma fotografia de [inaudível].
MP: Pode mandar. Quanto mais, melhor…