Gentil e seu instrumento raro: satisfação por ser reconhecido depois de 40 anos de dedicação ao orocongo.
Gentil do Orocongo – Compondo o som do choro humano
por Julia Berutti
Florianópolis Um instrumento raro, vindo da África, incorpora a musicalidade da Ilha de Santa Catarina e participa do Encontro com a Dança e a Músicas Brasileiras, hoje e amanhã, no teatro do Sesc Ipiranga, em São Paulo. Gentil Camilo Nascimento Filho, 58 anos, o Gentil do Orocongo, apresenta-se no espetáculo “Orocongo, Rabeca e Violino”, junto com Antônio Nóbrega, idealizador do evento, José Eduardo Gramani (conhecido pesquisador da rabeca), Mestre Paixão e Siba. O Encontro com a Dança e a Música se estende até 1º de agosto.
“É uma satisfação a gente persistir por 40 anos num instrumento meio esquecido e de repente ser reconhecido”, diz Gentil. Ontem, na véspera de sua partida, ele se dizia “eufórico”, mas parecia tranqüilo frente à primeira viagem de avião e ao fato de ser o único representante de Santa Catarina num evento que reúne músicos de todo o País. Ficou visivelmente preocupado somente quando soube que voltaria na segunda-feira: “Quem vai ficar no meu lugar na escola?” Atualmente, Gentil trabalha como vigia em uma escola básica estadual da comunidade de Mont Serrat, no Morro do Antão.
Natural de Siderópolis, zona mineira do Sul do Estado, Gentil veio ainda criança para Florianópolis, onde se instalou com a família na comunidade de Mont Serrat. Na Capital, ele dedicou-se à pesca e apaixonou-se pelo som que vinha da casa vizinha, onde morava Raimundo, filho de um cabo-verdiano (do arquipélago africano de língua portuguesa). Era o orocongo. Gentil, que nunca estudou música, aprendeu com Raimundo a tocar de ouvido e a fazer o próprio instrumento. Recentemente, fabricou um orocongo a partir do repenique a pedido da escola de samba Copa Lord.
Gentil tira todo o tipo de música do orocongo. Seu repertório valoriza as canções locais “Rancho de Amor à Ilha”, de Zininho, e “Vou Botar Meu Boi na Rua”, do Engenho , passa por “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, e vai até as origens com as modinhas que aprendeu com o vizinho: “Ah, ah! Fruta do conde/ castanha do Pará/ a fruta que eu mais gostava/ que nesta terra não há”. Hoje, é um dos únicos conhecedores do instrumento.
Na década de 80, Gentil foi “descoberto” por Alan Cardoso, irmão do artista plástico Max Moura, que participava do grupo Pandorga, de Valdir Agostinho. O som plangente do instrumento abre a faixa-título do disco “Vou Botar Meu Boi na Rua”, do grupo Engenho. O redescobrimento e o convite para participar do encontro em São Paulo veio com o professor e pesquisador Paulo Dias. Em Florianópolis, Dias gravou cenas de Gentil tocando orocongo para um projeto do CD-ROM “Vozes do Brasil”, da editora Ática. O público catarinense vai ter oportunidade de ver Gentil do Orocongo na programação inaugural do Espaço Cultural Embratel, no tributo a Cruz e Sousa, terça-feira, a partir das 19h30.
O INSTRUMENTO
O som do orocongo assemelha-se ao choro humano. Na forma, parece um violino rústico. Com apenas uma corda, tocado por um arco e apoiado na altura do diafragma, o orocongo é confeccionado com a casca de coco ou com o fruto do porongo (também conhecido regionalmente por catuto). O braço é de madeira. Originalmente, a corda do arco era feita de crina de cavalo, e a do instrumento, de tripa. O músico Marcelo Muniz, um dos fundadores do grupo Engenho e diretor de Música da Fundação Catarinense de Cultura, afirma que o orocongo se propagou pela África junto com a religião islâmica, mas não deu origem a nenhum instrumento moderno por ser muito sensível: rico em microtons sem sons intermediários.
“Há similares na China”, diz Muniz. Motivado pela curiosidade pessoal, o músico pesquisa o instrumento desde que conheceu Gentil Nascimento, há 18 anos. Ele conhece pelo menos mais duas variações da denominação do orocongo: urucungo, no Nordeste (em iorubá significa “existe nele um buraco” e é o nome antigo do berimbau), e até aricongo, em Florianópolis. Segundo Muniz, é muito difícil precisar a difusão do orocongo no Brasil. “Deve ter outros casos isolados como o de seu Gentil.”
Como toda história que se difunde oralmente, a chegada do orocongo a Florianópolis tem aura de lenda. Lembrado somente como “Cabo Verde”, o antepassado do professor de Gentil teria chegado junto com um baiano de jangada na Barra da Lagoa, praia do Leste da Ilha, no final do século passado. Os náufragos resolveram morar na Ilha, e Cabo Verde foi cuidar da barragem que existia no Morro da Lagoa da Conceição. Diz a lenda que vivia com três mulheres e teve 36 filhos. Com o colega de naufrágio e o avô do artista Valdir Agostinho (seu Zé), Cabo Verde formou um trio que animava as festas da época: ele no orocongo; o baiano no pandeiro; e seu Zé no violão de doze cordas.
Boa tarde.
Estou iniciando uma pesquisa sobre meu avô paterno, José Raymundo Gomes, pois consta ser de nacionalidade Portuguesa mas, pelo fato de ter nascido na Ilha de Cabo Verde, uma colônia na época, de Portugal.
Que teria ficado aqui na ilha após, como soldado, ter participado de uma batalha que culminou no naufrágio do navio Aquidabã em Anhatomirim, 1894, seria meu avô parte da tripulação? E que teve duas a 3 esposas e 34 filhos. Morava no morro da Lagoa da Conceição. Exploravam carvão na época…
Enfim, achei incrível esse seu registro e sigo na busca de mais dados da minha ancestralidade.