Mestre Canjiquinha
Publicada originalmente em Diários de Notícias de Salvador, em 6 de novembro de 1970.
Entrevista de Cristina Cardoso.
Seu nome – Washington Bruno da Silva – lembra Presidência de República, mas de política ele não manja nada. Seu fraco é a capoeira, do qual é bamba como ninguém. Washington é Canjiquinha, capoeira internacional, bom como Aberrê, ágil como Maria Doze Homens – um verdadeiro patrimônio do folclore nacional.
Para ele a capoeira está morrendo. Virou apenas dança para turista ver. E ainda existe quem a considere agressiva:
– Meu Deus, querem afeminar a luta dos homens.
Dos 45 anos de vida de Canjiquinha, 33 foram dedicados à capoeira. Ele não apenas luta capoeira, mas luta por ela. Acredita que os mestres hoje em dia são poucos. Queixa-se também da falta de divulgação da capoeira que, em seu modo de entender, deveria ser transformado no esporte nacional.
– Ele aqui nasceu, é nosso, mistura do negro com o índio, resultado das lutas dos negros contra os senhores brancos.
Mestre Canjiquinha é o capoeira mais divulgado no exterior, participante que foi de muitos filmes da Bahia para o mundo, ou feito em regime de co-produção. Barravento, de Gláuber Rocha, onde contracenou com Luísa Maranhão; Os bandeirantes, co-produção franco-brasileira. Estrada do Amor, feito com os alemães e o mais recente Capitães de Areia no papel de Samuel Querido de Deus, outro capoeira de renome no passado. Até no Pagador de Promessas trabalhou mas gosta mesmo é de lutar, dançar a capoeira ou dar os toques no berimbau para a grande luta.
– Minha comadre – diz Canjiquinha com sua fala agitada, nervosa de filho de Iansã – já viajei por quase todo o Brasil, ensinei capoeira até para a Força Aérea. Estive em Brasílía – Teresina – São Luís do Maranhão – Recie – Porto Alegre e Maceió, díversas vezes no Rio de Janeiro e São Paulo. Agora ia pela primeiravez pessoalmente ao exterior, para a Semana da Bahia na Pensylvania, com “Viva a Bahia”, mas deu bronca, os gringos só deram 1000 dólares para a viagem, quatro milhões contados, para 20 pessoas viajarem. Tudo veio por água abaixo.
E emocionado: “lindos mesmos são os golpes: rabo de arraia – meia lua de frente – meia lua de costas -armada – chapéu de couro -escorão – benção – vingativa – chibata ae tantos outros. E os toques que dou no meu berimbau, todos eles: São Bento Grande -São Bento Pequeno – Ave Maria – Cavalaria – Amazonas e Santa Maria., e os que eu mesmo criei: Samango, Muzenza, e Samba de Angola. É minha própria vida que eu vejo na minha Academia que fundei em 1954. Mas a capoeira está doente, gente, pode até morrrer. É apenas folclore, bonitinha e arrumadinha para agradar aos turistas. A capoeira, gente, não é mais aquela.
Mestre Canjiquinha tem o maior elenco de conjunto folclórico da Bahia – 36 pessoas no Conjunto Aberrê, que tem seus atabaques pintados de branco e azul, as cores do saudoso Mestre Aberrê, de quem Canjiquinha afirma: “não é por ter sido meu professor, mas foi um dos maiores, juntamente com Pedro Paulo Barroquinha, Curió, Cassiano Balão, Totonho Maré, ainda vivo, morando no Corta Braço, na Liberdade, Sete Mola, Espinho Remoso e tantos outros. Mas mulher as únicas mesmo foram Maria Doze Homens que numa briga da Saúde até o antigo Cinema Olímpia, bateu em doze marmanjos, e Maria Palmeirão, 1,90 de altura, mulher de dar e receber navalhada, seca como o diabo que lutava como homem”.
Mestre Canjiquinha é o capoeira querido, que se apresentou para o Presidente Médici em sua visita a Salvador, e lhe ofereceu o berimbau, símbolo da capoeira baiana que luta pelo folclore baiano quando ameaçado como na época de “Lapinha”. Foi ele que, pelo nosso folclore, comprou briga com Baden Powell, discutiu com Flávio Cavalcanti e ainda está disposto a brigar mais.
– Minha comadre, acrescenta, não é por falar mal, mas o Baden fez uma boa. Lapinha é folclore baiano que ele aprendeu comigo. Pensou que tinha me esquecido e disse que a música era dele. Que falta de caráter. Gosto de brigar pelos meus direitos de nosso folclore e pelo que acredito. Já fui goleiro do Ipiranga em 1951, mas o folclore e a capoeira são meu amor.
– Sou angoleiro e faço capoeira, estive no Simpósio de Capoeira em 1969 em São Pauto, no Campo dos Afonsos, e lá a gente discutiu e dividiu a luta em angoleiro, regional e estilizada, mas tudo vem de Angola, dos negros que de roupa branca sempre impecável eram chamados de arruaceiros, malandros e nunca desistiam, dos negros das lutas de matar ou morrer. Hoje a gente é funcionário, faz capoeira nas horas vagas, tem de se adaptar aos tempo. A capoeira está doente, gente, pode até morrer.