Tenhu corpu fechadu

Tenhu corpu fechadu
Mi pegá né moli não
Não usu rôpa dos ôto
Não impresto meu drobão
Sapato com presa dentu
No meu pé num ponho não
Fora di casa só durmu
C’um ôio fechado ôto não
Não comu cumid’alhea
Nem si fô só águ’i pão
Em dia de roda num bebo
Em mulé não ponho a mão

Camaradinho…

Me dá meus tostões
Entre os dedos da mão
Em jogo que tem tostões
Tem dois tostões valentão !

Mi’a mãi tinha três fi

Mi’a mãi tinha três fi
Eu er’o mais assussegado
Saia boca da noite
Chegava de madrugada
Na roda da capoeira
Nunca dei meu gorp’errado

Camaradinho….

Vô m’imbora, vô m’imbora
Mata tenho qui passá
Vô m’imbora, vô m’imbora
S’iaiá quisé mi vê
Vô m’imbora, vô m’imbora
Ponha seu barco nu má

Toda a Bahia chorou

(Mestre Ezequiel)

Toda a Bahia chorou
No dia que a Capoeira de Angola
Perdeu seu protetor
Mestre Pastinha foi embora
Oxalá quem o levou
Lá prás bandas de Aruanda
Mas ninguém se conformou
Chorou general e menino
Chorou mocinha e doutor
Preta velha feiticeira
Ogã e babalaô
Berimbau tocou sereno
Um toque triste de morte
A capoeira foi jogada
Ao som da triste canção
E da boca do mandingueiro
Do fundo do coração
Não houve na Bahia
Quem não cantasse esse refrão
Vai lá, menino !
Mostre o que o mestre ensinou
Mostre que arrancaram a planta
Mas a semente brotou
E se for bem cultivada
Dará bom fruto e bela flor

Camaradinha…

Ai, ai, aidê
Joga bonito, eu quero aprender
Ai, ai, aidê
Joga bonito, eu quero aprender

Lá atiraram na cruz

Lá atiraram na cruz
Eu di mim num sei quem foi
Si acaso fui eu mesmo
Peço à cruz que mi perdôi
Bizôro caiu no chão
I fez qui tava deitado
A puliça foi entrando
El’atirô nu soldado
Vá brigá cum caranguejo
Qu’é bicho qui num tem sangue
Puliça si tu qué briga
Vamo pá dentu du mangue

Camaradinho…

Balanço du má, navio negrêro
Antigo reino du Congo deu cultura pu Brazi
Balanço du má, navio negrêro
Antigo reino du Congo deu cultura pu Brazi

Quano vê cobra’ssanhada

Quano vê cobra’ssanhada
Num ponha pé na rudia
Qui cobra’ssanhada mordi
S’eu fossi cobra murdia
O moço casa c’a moça
Quano tem amô pur’ela
U qui põe moç’a perdê
É casa di muita janela

Camaradinho…

Eu vi jararaca no cajuêro
Sinhô mandô matá
Eu vi jararaca no cajuêro
Sinhô mandô matá
Eu vi jararaca no cajuêro
Sinhô mandô matá

Mininu quem foi teu meste?

Mininu quem foi teu meste ?
Quem t’insinô a brigá ?
U meu meste foi Bizôro
Aprendeu cum mangangá
Mininu quem foi teu meste ?
Quem ti deu tanta guarida ?
Quem t’insinô a maldade
di dançá dentu da briga ?

Camaradinho…

Tô durmino, tô sonhano
Tão falando mal de mim
Tô durmino, tô sonhano
Tão falano mal qu’eu vi

Dedu di munhec’é dedu

Dedu di munhec’é dedu
Dedu di munhec’é mãu
U macacu na levada
Doi liãu passô-l’a mãu
Mariposa num mi prenda
Dentu du seu coraçãu

Camaradinho…

Foi Deu qui mi deu, é Deu qui mi dá
Qui deu capuêra pá nói vadiá
Foi Deu qui mi deu, é Deu qui mi dá
Qui deu capuêra pá nói vadiá

Nego nagô quano morre

Nego nagô quano morre
Vai pá cova di bangüê
Us parente vai dizeno
Urubu há di cumê
Aqui babá, ai canjerê
Nego nagô tem catinga de sariguê

Camaradinho

O home é valente
Eu já sei sinhô
O home é ligêro
Eu já sei sinhô
E li joga no chão
Eu já sei sinhô

Coro di fazê sela

Coro di fazê sela (Teimosia)

Coro di fazê sela
Coro di fazê tambô
Pau di faze gamela
Gamelêra sim sinhô
Chegá na roda sorrino
É cunvite a aligria
Pá brincá feitu minino
Seja noiti, seja dia

Camaradinho…

Ai, ai, ai dotô
Capoeira di valô
Ai, ai, ai dotô
Brincadêra sim sinhô

Não se pega água com peneira, e nem vento com a mão

Não se pega água com peneira, e nem vento com a mão. Capoeira é água de correnteza, que vai molejando entre as pedras e chega onde quer – se infiltrando onde há caminho e quebrando onde não há. Não tem forma, nos forma. É vento que refresca o couro e vendaval que derruba gameleira. Capoeira é de esquentar o chão e o coração, é febre de dar tremedeira, é alegria de pregar sorriso no rosto de quem vê. É a conta do ódio do oprimido, do alívio do liberto, da perseverança do fujão. Manha, mandinga de escravo, magia, mistério. Poesia de quem quer, história de quem sabe e viu e ouviu. Ancestralidade, respeito pelo que foi e atenção no que vai ser – para não errar os mesmos erros. Capoeira é música que não cabe na garganta, e que quer barulhar no mundo. Tambor tocado com delicadeza e força, arco retesado e soltando flechas de som. Sino de ferro feito em forja, couro de bode afinado com fogo. É aço que canta, chocalho que chia, cabaça que geme, coração que bate em ritmo negro. Capoeira é o sal, o sol e o céu. O boi, o louro, o mel. O café, a cana, o ouro. O suor, o sangue, as lágrimas. O calo, a ferida, a mágoa. A ofensa, a vingança, o perdão. A luta, a fuga, a emboscada. O pé, a mão, a cabeça. Não é preciso definir capoeira – a capoeira é.