a música precisa existir por si
não por ser fundo, não por ser trilha
precisa fugir pelas amídalas,
sair da goela como sai um grande arroto
que ponha para fora barulhos que há dentro
remexa entranhas e esquente buchos
que faça relar as vontades e acanhe saudades matadeiras
a música precisa correr solta como dedos que correm cordas
e línguas que correm furos, baquetas que correm couros e mãos que correm teclas
sair da úvula, badalos que percutem sinos
que seja poema em si
verdades de quem a escreve ou canta, ao menos mentiras de quem a escuta ou repete
a música precisa sair do peito
como se nele nunca houvesse cabido
água de morro abaixo, formiga de correição
rolha de sidra boa,
ligeira, lépida, célere e fagueira – em qualquer ordem que se deseje
‘que música é para ser solta
uma capoeira jogada para a roda
dança mais torta e balanceada do que propunha o bailarino
‘que dança é música vazando pela sola do pé
caçando terra que lhe caiba feito peito coube
e treitando jeito de arapucar um passante
que lhe plante a planta e dê chance de subir como xistosa
escalando a canela e deixando rupeio
para ser quentura no joelho e tremura nas coxas
sacolejo de quadris e umbigada quebrante.