O depoimento do Mestre Caiçara foi tomado pelo Mestre Matiole, durante o Encontro Nacional de Capoeira de Ouro Preto, promovido em 1987 pelo Mestre Macaco e o Grupo Ginga (de Belo Horizonte).
O símbolo [???] indica um trecho do áudio que não consegui transcrever. Entendimentos e sugestões são bem-vindos.
Mestre Matiole: Ô mestre, o senhor falou que a cobra mordeu o senhor e ela morreu, né ?
Mestre Caiçara: É, se morder, morre. Por causa do veneno. Cobra mordeu Caiçara e morreu, cobra mordeu Caiçara e morreu. Aí diz “Ai ai, aidê ! Joga bonito que eu quero aprender”, quando tu tá querendo dizer que eles são burros. Tu diz assim: diz “Ai ai, aidê ! Joga bonito que eu quero aprender”. Tá dizendo que ele é burro, né ?… [???] Tô aqui esses dias, agoniado.
MM: De saudade…
MC: Ih…
MM: O senhor tem muito neto ?
MC: Filho… Trinta filhos.
MM: E os netos ?
MC: Vinte e dois.
MM: Vinte e dois netos…
MC: E doze bisnetos.
MM: Doze bisnetos…
MC: [???] Eu tenho uma filha [???] Ela não tem comido mesmo. Eu como assim mas… meu pensamento é nela.
MM: Dois anos…
MC: É. Quando… De manhã cedo eu acordo, eu tenho uns passarinhos. Tenho um pássaro-preto, tenho um [???] bicudo, curió, tenho cardeal, tenho cabocolinho, tenho chorão, tenho um papagaio, tenho um papa-capim, tenho um… um pracinha, tenho um azulão. Mas quando chega de manhã que eu acordo para poder… Para [???], eu acordo, ela acorda e fica assim… Tem dois anos ! “Papai, papai, papai”
MM: Dois anos ela tem ?
MC: É. “Papai!”, e me toma a bênção. Eu aí que posso limpar os passarinhos. Aí pronto. Dali, ninguém, ela nem que ponha o [???] dela, fazer xixi, e aí “Papai, xixi!”. Aí fica mostrando assim a máquina, e aí [???]. E eu limpando os passarinhos. Não gosto nem de falar…
MM: Passarinho então, o senhor gosta de passarinhos, mestre.
MC: Gosto… Sou louco por passarinho.
MM: Mestre, e na música da capoeira, o senhor tem músicas do senhor mesmo ?
MC: É.
MM: O senhor tem músicas que o senhor…
MC: Todas que eu canto, é minha.
MM: Todas, do senhor. Aquele disco, por exemplo, que nós conhecemos, da academia…
MC: É. É todas nossa.
MM: É “Unidos…” Como é o nome do disco, mesmo ?
MC: É… Academia de Capoeira Angola São Jorge dos Irmãos Unidos do Mestre Caiçara. Agora mesmo eu vou gravar outro disco, depois do carnaval.
MM: Músicas do senhor, né ?
MC: É.
MM: O senhor mesmo faz as letras…
MM: Então aquelas músicas, grande parte é do senhor.
MC: É. Não ! Grande, não ! Todas ! Até a que a mulher canta, eu que mandei ela cantar. Porquê sempre tem que botar mulher no meio… Eu tava limpo, sem dinheiro, ela me botou na gravadora lá em São Paulo. É… Aquela gravação da “Mangueira”… “Alô, Bahia…”
MM: Os discos… Zé Maria pinta muito na casa dele, ao som daquele disco do senhor…
MC: É. MM: Mestre, e as mulheres ? Fala para a gente das mulheres.
MC: Ah, mulher… Para que coisa melhor de que mulher ? Só duas. Eu gosto tanto de mulher, que eu gosto da vida. Que a vida é fêmea. Hahaha. Para que melhor que mulher ? Só duas ! Tem um sambinha que eu fiz que diz assim: “Emburané, emburaná, imbigada batida, jatobá ! Imbigada batida, só no imbigo, homem com homem, mulher comigo ! Botão de ceroula que faz o [???], no bulir das cadeiras, que mata nós !” Ele gosta… Hahaha. Ê menino relaxado, vem com o mestre. Hahaha.
MM: Ê, mestre… Bom demais !
MC: Para mim, eu vou para a Bahia…